Quantas peças de roupa você tem?

No último fim-de-semana, a Claudia Giane twittou uma reportagem da Revista TPM sobre guarda-roupas lotados e a sensação de que a gente não tem nada pra vestir mesmo assim. A matéria apresenta uma moça que tem 400 peças de roupas, outra que tem 600 (!) e, pra fechar, uma que tem “apenas” 250 roupas e diz manter uma relação “racional” com o consumo.

A Claudia se espantou, e eu também. Como assim, 250 peças?! Nem vou comentar sobre os maiores guarda-roupas… mas olha, 250 peças de roupa é muita coisa! Acho bastante difícil justificar isso com base em “racionalidade”, viu?

Por outro lado, comentei no twitter mesmo que, provavelmente, esse era o meu número também. Entenda, hoje acho isso um exagero, mas nem sempre achei e, por mais que tenha me interessado muito pelo minimalismo no último ano, não sou minimalista, como já disse aqui outras vezes. Estou ainda no início de um processo de mudanças, de tentativa de consumo racional e coisa-e-tal.

Bem, fato é que resolvi contar quantas roupas tenho, e eis o resultado:

  • 23 casacos/blusas de frio (eram meu maior vício antes de começar a pensar sobre meu consumo de roupas)
  • 12 blazers/casaquetos
  • 5 roupas de festa (3 vestidos, uma saia de tafetá e um top bordado)
  • 23 saias (e eu vivo falando que tenho poucas saias O.o)
  • 29 vestidos (entre longos e curtos, de malha e de outros tecidos mais nobres, de verão e de inverno)
  • 18 calças (contando jeans, calças de alfaiataria e de malha)
  • 5 bermudas e shorts “de sair”
  • 59 camisas (entre cavadas, de manga comprida, de malha, mais arrumadinhas etc. e tal)
  • 2 pijamas de inverno
  • 2 camisolas
  • 2 shorts de dormir
  • 6 bermudas e shorts de ginástica
  • 9 camisetas de ginástica (a maior parte veio das inscrições em corridas de rua)

Total: 195 peças. (Não contei acessórios, roupas de banho, meias e underwear; quanto aos sapatos, tenho 24 pares.)

Então, no fim das contas, estou abaixo do menor guarda-roupa da matéria, mas ainda assim tenho muita coisa. Se eu já achava isso antes de fazer a contagem, agora a coisa ficou óbvio e ululante.

Boa parte das camisas, antes da limpa de 2010/2011.
Boa parte das camisas, antes da limpa de 2010/2011.

59 camisas, gente. 59! Quem precisa de tudo isso?!

E, como assim, 23 saias?? Onde elas se escondem?!

O pior é pensar que até 2010, quando comecei a rever meus conceitos, eu devia ter mais de 300 peças. Sim, porque provavelmente doei mais de 100 peças nos últimos dois anos. Mais de 300 roupas… caramba, como gastei dinheiro à toa.

Sabe o mais espantoso? Numa rápida pesquisa entre colegas de trabalho e de twitter, o guarda-roupas masculino parece ficar em torno de 50 peças. Quatro vezes menor que o meu. Cacilda.

Acredito que poderia viver muito bem com metade do que tenho, mas ainda não estou nesse ponto do desapego e não vou me forçar a isso. Todas as mudanças de consumo que tenho feito são voluntárias e desejadas, por isso creio que são duradouras. O que tenho feito é não comprar, e pretendo continuar assim por anos, repondo apenas o que for se acabando e aprendendo a usar melhor o que já tenho.

Vai demorar muito pra eu precisar comprar camisas, viu? E casacos.

E você, quantas peças de roupa tem? Você acha que tem o suficiente, ou sempre sucumbe ao sentimento de não-tenho-nada-pra-vestir?

Peles, trabalho escravo e as nossas decisões de consumo.

Você deve se lembrar do escândalo envolvendo a Marisa e o uso de mão-de-obra escrava para a confecção das roupas que ela vende. Não existe almoço grátis: para as lojas de fast-fashion venderem barato, alguém está pagando caro com a própria saúde, a própria infância, a própria dignidade.

Ai, você poderia pensar que redes de fast-fashion que cobram um pouco muito mais por suas roupas têm uma linha de produção justa, mas a Zara já provou que não é bem assim.

Na onda da recente polêmica sobre o uso de peles por algumas blogueiras (o que me espanta de verdade é que isso seja uma questão polêmica), a Blogueira Shame listou várias marcas famosas, caras e badaladas que usam peles em suas roupas: Miele, M. Officer, Ellus, Shop 126, Daslu etc.

Aí, a gente pára e pensa: “cacilda, é impossível comprar uma mera peça de roupa sem ter uma crise de consciência?!”.

Olha, não é impossível, mas fica cada vez mais difícil, graças à enorme quantidade de informação a que temos acesso hoje em dia. A ignorância é uma bênção: era tão mais simples quando não sabíamos como os animais são cruelmente mortos para a confecção de casacos de pele, ou como crianças são exploradas pra você poder consumir as roupas da estação por um preço baratinho…

O lance, então, é sair por aí pelada?

Hum, a menos que você queira visitar a delegacia, essa não é uma boa ideia.

O lance mesmo é repensar o consumo e, principalmente, o consumismo. Você precisa comprar cinco novas peças de roupa toda semana? Ou duas? Ou uma?

Você precisa realmente seguir a última tendência pra ser feliz?

Você precisa de trocentos pares de sapatos e zilhões de produtos de maquiagem? Ou de um celular novo a cada seis meses?

A gente precisa consumir, claro. É impossível viver sem causar impacto ambiental (e, por favor, meio ambiente não é só floresta; também inclui o meio urbano). Pra complicar a guerra, quase tudo que consumimos tem embutido o trabalho semi-escravo asiático, desde o estojo de sombras até o computador de que você precisa pra trabalhar.

Mas dá pra ser feliz consumindo menos e refletindo sobre as nossas escolhas.

Ou você pode simplesmente enfiar a cabeça na terra e fingir que não sabe de nada – de preferência, cobrindo-se com um casaco de pele.

É tão bom NÃO comprar!

Tive uma fase em que precisava comprar para me sentir feliz – ou assim achava. Era impensável não passear no shopping pelo menos uma vez por semana (frequentemente duas) e, claro, sempre voltava com uma sacolinha: um “mimo”, um “presentinho para mim”, um “eu mereço”. Isso sem falar nas compras por internet, ainda mais impulsivas.

Essa fase durou uns três anos e lotou meu armário de tralhas. Não gerou dívidas, mas nem quero pensar no dinheiro que poderia ter economizado – e que seria muito bem-vindo agora, quando estou reformando meu futuro lar-doce-lar. E o tempo que perdi, então? Tempo que poderia ter usado em leituras, brincando com minhas gatas, vendo meus seriados favoritos, escrevendo ou até dormindo (coisa que acho o maior desperdício, ou melhor, o segundo maior desperdício, hoje em dia).

Em outubro de 2010, decidi parar de comprar roupas e usar só o que tinha no armário por seis meses, que viraram sete (um dia ainda detalho a experiência aqui, prometo). Quando esse tempo acabou, eu tinha doado sacolas e mais sacolas de roupa. Pelo menos um terço do meu armário foi embora nesse período. Apesar disso, continuei com muita roupa.

Durante 2011, não se passou uma semana sem que eu tirasse ao menos uma peça de roupa do meu armário. Ainda assim, continuo tendo muita roupa.

Em 2011, depois de encerrado o desafio de usar tudo que tinha no armário, limitei minhas compras ao essencial, ou quase:

  • um par de tênis de corrida, em substituição ao que furou (e porque é complicado ter apenas um par, quem corre na rua sabe disso)
  • dois shorts de corrida
  • uma bermuda justa para fazer musculação e correr nos dias mais frios
  • dois sutiãs para o dia-a-dia, em substituição aos que estavam muito usados
  • um vestido preto (comprado para uma ocasião que acabou não acontecendo – eu poderia ter evitado essa compra)

Em 2012, engatei no desafio de ficar um ano sem comprar. Houve poucas exceções até agora, exceto com a reforma da casa, assunto para outro texto. No quesito roupas, as únicas exceções foram dois pijamas bem quentinhos (porque meu único pijama estava velhíssimo, depois de dois anos de uso) e uma camisola de manga longa (deveria ter comprado de manga curta e estou pensando seriamente em retirar as mangas).

Hoje, meu armário está reduzido à metade do que era em 2010, e não me falta roupa alguma. Se por um lado isso deixa claro o quanto desperdicei meu tempo e meu dinheiro em anos anteriores, por outro tenho a enorme satisfação de saber, racional e emocionalmente, que não preciso passar horas andando em shoppings, provando roupas, comprando acessórios. Tenho mais do que preciso, tenho criatividade para mesclar as minhas peças, tenho tempo e dinheiro a mais, não tenho que me desgastar batendo perna por aí, não tenho que me preocupar com modismos ou tendências, não tenho que consumir só por consumir.

A felicidade não está em comprar roupas, livros, carro novo ou o que quer que seja. Está, sim, em ter satisfação verdadeira com a vida que se leva. Não aquela satisfação momentânea, eufórica, tão similar à causada por cigarros, bebida ou qualquer outra droga, mas sim a satisfação cotidiana, tranquila e calma.