Jonathan Strange e Mr. Norrell

O livro é um tijolo? É, mais de 800 páginas. A leitura é lenta? Se você comparar com livros convencionais de fantasia, sim. A história é chata ou arrastada? De jeito nenhum. Foi um dos melhores livros que li em 2020 (até agora) e virou um dos meus favoritos do gênero.

Norrell é um velho mago teórico (na maior parte do tempo) e rabugento (sempre). Strange é um jovem que não sabe o que quer da vida e que se depara com a magia por acidente. Lá pelas tantas, essa dupla é reunida na Londres georgiana (começo do séc. XIX) e nasce daí uma improvável amizade. A história é permeada de fatos históricos e referências a pessoas reais, o que torna tudo mais interessante. A escrita de Susanna Clarke tem o ritmo certo para mergulhar o leitor numa Inglaterra que poderia ser real – se a magia não tivesse sido esquecida.

Esqueça Harry Potter. Esqueça O Senhor dos Anéis. Esqueça histórias capa-e-espada e ambientações medievais. Se você gosta de fantasia e é capaz de encarar esse livro sem ideias preconcebidas, terá grandes chances de se divertir com ele. E sim, é um tijolo, mas olhe pelo lado bom: é volume único.

Minha crítica fica para as personagens femininas que, embora cruciais na trama, não são muito desenvolvidas.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

Coisas Boas de Junho

O Dia de Folga está de cara nova: a Crisna fez um banner lindo pra ele. Se você está lendo este post via feed ou email, dá uma passadinha no site pra conferir!

Livro favorito: O Menino do Pijama Listrado, de John Boyne. Depois de gostar muito de Uma escada para o céu, finalmente peguei o livro mais conhecido do autor. A história segue o ponto de vista de Bruno, um garoto de nove anos, resultando em uma escrita simples e honesta. O leitor é envolvido lentamente e recebe um soco no estômago no clímax. Chorei, sim (e não vou ver o filme).

Filme favorito: It’s a beautiful day in the neighbourhood. Previsível desde a primeira cena, mas tão bem executado que cativa. Baseado no relacionamento entre o jornalista Tom Junod (que ganhou o nome de Lloyd Vogel no filme) e Fred Rogers, apresentador de programa infantil nos EUA por mais de trinta anos. Tom Hanks está grisalho e excelente.

Série favorita: a sétima temporada de Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D. Pelo menos até agora, está valendo a pena ter sobrevivido a duas temporadas terríveis. (Mas dói ouvir “Sousa” pronunciado como “Sussa”. Tá sussa, mermão.)

Novidade: experiências com café e leite vaporizado. Muitos tópicos lidos no fórum Clube do Café e muitos vídeos no youtube para aprender o básico. Resgatei minha modesta cafeteira de espresso, uma DeLonghi EC220 (que ficava na firma e estava parada há mais de um ano) e um moedor manual Hario Slim (que tinha dado de presente de dia dos pais – pegar presente de volta é feio, eu sei), comprei café em grãos (e uns copos bacanas) e tenho brincado com moagens, extrações, vaporização, lattes e cappuccinos. Deu até saudade do tempo em que eu tinha um blog especializado no tema, o Espresso do Meio-Dia (a maioria dos posts está aqui no DdF agora). Um dia, se tudo mais der errado, quem sabe possa ganhar a vida como barista.

Bônus: um mês inteiro usando o planner que criei em maio no Notion. Fiz a revisão mensal ontem e me tomou um bom tempo (uma hora, talvez), mas foi um exercício muito interessante. Espero manter a prática.

Coisas Boas de Maio

Livro favorito: a duologia Dreamblood, da deusa N. K. Jemisin (infelizmente sem tradução para o português). Dica da @soterradaporlivros. Fiz resenha no instagram.

Filme favorito: Coringa (sim, só vi agora). Atuação primorosa de Joaquin Phoenix,. Edição excelente, conferindo ao filme um ritmo que permite absorver a trama forte, por vezes perturbadora.

Séries favoritasFleabag Modern Love, ambas disponíveis no Prime VideoFleabag é uma comédia inglesa cheia de ironia e sarcasmo, com a participação especialíssima de Andrew Scott na segunda temporada (provando que o Moriarty fica fantástico mesmo sem coroa). Modern Love adapta histórias românticas publicadas no The New York Times e tem a Big Apple como personagem coadjuvante – além de também contar com Andrew Scott (estou começando a perceber um padrão).

Descoberta: Notion, apresentado pela @fabineves e que se tornou minha obsessão no último terço do mês. Criei um planner fantástico nele, muito melhor que qualquer um que eu tivesse comprado (e de graça, né, Fabi?). Além do benefício direto de ter um planner personalizável e online, colhi o benefício indireto de aprender algo novo, e aprender é uma das minhas coisas favoritas na vida.

Outra descoberta: o canal National Theatre, com a apresentação de uma peça por semana no youtube, na íntegra. Ver Frankenstein nas duas versões (Benedict Cumberbatch e Jonny Lee Miller alternando-se no papel de criador e criatura) foi um privilégio. Tem legendas em inglês.

Bônus: o desenvolvimento de uma ótima rotina de exercícios em casa. Sei não se volto pra academia (se voltar, não será para a que eu frequentava antes, já que não financio fake news).

Quarentenando

O último dia “normal” por aqui foi 17 de março. De lá pra cá, saí de casa seis vezes.

Amo ficar em casa, mas estava acostumada a sair pelo menos cinco vezes por semana, entre trabalho e academia. Estava acostumada a descer pro mercado em frente sempre que dava na telha e a sentir o sol na pele quase todos os dias (impossível dentro de casa nessa época do ano). Estava acostumada a viajar nos feriados e férias, tinha uma viagem internacional em abril com uma amiga e planejava uma viagem nacional este mês (passaria o São João em São Luís e conheceria os lençóis maranhenses).

Aí veio o coronavírus e – planos, o que são essas coisas? São de comer ou de passar no cabelo?

Meio que rolaram as fases do luto por aqui.

Março foi de negação. Fui ao cinema com a Simone no dia 12, só parei de ir pra academia quando ela fechou (no dia 17), só cancelei a viagem quando a empresa aérea cancelou o vôo (no dia 18).

Logo depois veio a raiva pelos planos desfeitos, pelo prejuízo financeiro e pelas férias do ano todo arruinadas (quem vai ter coragem de fazer turismo em 2020?). Uma frase martelou aqui dentro constantemente: “Eu não queria que isso estivesse acontecendo durante a minha vida”.

Lembrei-me do que minha geração sofreu com a AIDS: o medo, a falta de informações, os ídolos morrendo – alguns definhando em praça pública -, a promessa de sexo livre (criada pela geração anterior) roubada ou, pelo menos, mutilada. Parecia que já tínhamos passado pelo suficiente.

Claro que isso não é verdade. Não há “suficiente”, não há uma “quota” destinada a cada geração. Muitas passaram por coisas muito piores. Dentro da minha geração, muita gente passou e passa por coisas piores. (E vidas negras importam, sim!)

A ficha caiu quando vi uma citação de O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel que, além de retratar meu pensamento, dava uma resposta à altura:

“I wish it need not have happened in my time”, said Frodo.

“So do I”, said Gandalf, “and so do all who live to see such times. But that is not for them to decide. All we have to decide is what to do with the time that is given us”.

——

– Gostaria que isso não tivesse acontecido na minha época – disse Frodo.

– Eu também – disse Gandalf. – Como todos os que vivem nestes tempos. Mas a decisão não é nossa. Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.

Aí começou a fase da barganha, do “vou aproveitar essa fase para fazer tais e quais coisas, pra desengavetar esse e aquele projeto”. Essa fase rendeu frutos, com um boom de produtividade inicial, a conclusão do primeiro rascunho de um romance (que detestei) e um surto de leituras/filmes/séries. Durou pouco, porque bateu o cansaço – claro – e porque meu trabalho aumentou.

Era inevitável que viesse a fase da depressão. Tive uns quinze dias de inércia quase absoluta, com o abandono total ou quase de hábitos dos quais preciso para manter a saúde física e mental. Foi curta porque não foi clínica e porque mais de quarenta anos me deram mecanismos para reconhecer as sombras e lançar-lhes luz.

Pra ser honesta, a tristeza continua por aqui. Não poderia ser de outro jeito, dado o período que estamos vivendo, a COVID, as mortes, as pessoas que conheço que foram afetadas, o que vejo no meu trabalho todos os dias, as notícias, o descalabro desse governo. Difícil seria não sentir tristeza.

O que me leva à fase de aceitação.

Aceitação de que a vida mudou, de que vivemos tempos difíceis, incertos, inseguros, de que há perigos à espreita – e não só o vírus. Aceitar permite reagir, criar novas rotinas, buscar novos mecanismos de superação (e resgatar os antigos). Permite olhar além do próprio umbigo, também, especialmente porque tenho a sorte de ter um trabalho e um salário, de ter saúde, de ter meus pais com saúde, de ter amigos com saúde e de ter sofrido poucas perdas, quando as comparo com as de outras pessoas. Tenho a sorte de ser resiliente e de ter uma boa capacidade de deixar o passado no passado e seguir olhando em frente.

Algumas coisas ainda doem.

Dói muito ouvir as notícias.

Mas vai ficar tudo bem.