Alguém aí tem assistido a Studio 60 on the Sunset Strip? Trata-se de uma excelente série que mostra os bastidores de um programa (fictício) concorrente do famoso (e real) Saturday Night Live. O seriado foi cancelada após uma única temporada (não dá pra entender o gosto do público norte-americano). Basicamente, girava em torno da tentativa de reerger o show, depois de um período de vacas magras.
O segundo episódio da série traz um diálogo muito interessante sobre a dimensão atual dos blogs. Na cena, dois personagens, Simon Stiles e Tom Jeter, conversam. Tommy está preocupado com a crítica negativa de uma blogueira a Studio 60 e com sua descrença quanto à possibilidade de o novo time aumentar a audiência do programa. Simon tenta tranqüilizá-lo:
Simon: Pare de considerar a internet. A tal Bernadette escreveu isso de pijamas, tem um freezer cheio de comida dietética e está rodeada de cinco gatos!
Tommy: O New York Times vai citar Bernadette para mostrar que ouve o público e que não é uma mídia elitista. Eu preferia quando ele era uma mídia elitista – sou fã das credenciais! Parece que vivi os últimos cinco anos num filme de Roger Corman chamado “A Vingança do Escritor Medíocre”. Eu tenho que me levar em conta a internet porque o resto do mundo leva!
Esta é a visão de boa parte da mídia norte-americana sobre os blogs: embora não morra de amores pela concorrência sem “credenciais”, ela precisa se preocupar com o que dizem os blogueiros, já que cada vez mais eles têm se firmado como formadores de opinião.
Para recuperar terreno, há uma tentativa de aproximação entre o mainstream e os blogs. Na cobertura das eleições presidenciais francesas deste ano, por exemplo, a CNN valeu-se da opinião de blogueiros, promovendo, inclusive, uma mesa redonda com alguns deles para comentar o resultado do primeiro turno.
No mesmo sentido, a revista Time elegeu Você como personalidade do ano de 2006, referindo-se à importância crescente dos meios online como geradores de conteúdo. A revista considerou que o poder de informação deixou de ser privilégio de uma meia dúzia de jornalistas e passou às mãos das milhões de pessoas que alimentam diariamente a internet com vídeos no youtube, textos em blogs, artigos na Wikipédia, agregando conteúdo e formando opinião:
Por apoderar-se dos reinos da mídia global, por fundar e desenvolver a nova democracia digital, por trabalhar em troca de nada e superar os profissionais em seu próprio jogo, a Personalidade do Ano de 2006 para a Time é você.
Por outro lado, na terra brasilis a mídia tradicional corre na contramão. Aproveitando-se do slogan “Pense ÃO”, usado em campanhas publicitárias desde março, o jornal Estado de São Paulo deu início a uma campanha contra os blogs, sob o lema “Clique ÃO”. Segundo o Gabriel Tonobohn (não tive a chance de ver a peça publicitária), a propaganda mostra duas adolescentes suspirando por ruivos de aparelho só porque leram num blog (escrito por um ruivo de aparelho) sobre uma pesquisa comprovou que eles são mais bem-sucedidos. O comercial termina proclamando “Você já pensou por onde anda clicando? Estadão, clique ÃO”, numa clara indicação de que blogs não mereceriam a confiança dos internautas.
O Gabriel postou sobre isso na lista de discussão da blogosfera e o assunto foi a sensação da semana passada. Houve quem enxergasse o início de uma guerra pelos leitores, foram aventadas estratégias de revide e alguns simplesmente acharam graça na coisa toda.
Na minha opinião, realmente não faz diferença se este é o início de uma guerra ou não. A campanha do Estadão não passa de um tiro no pé.
Em primeiro lugar, blogueiros ocupando o papel de formadores de opinião são um fato, independentemente do esforço do Estadão em desacreditá-los. A própria mídia estabelecida contribui, ainda que indiretamente, para aumentar o prestígio dos blogs. Jornais e revistas têm perdido credibilidade na medida em que fica cada vez mais nítido o seu comprometimento com interesses políticos e de mercado.
Blogs, por sua vez, são em sua maioria livres. Em regra, o blogueiro escreve sobre o que tem vontade. Blogueiros não obedecem a um editor-chefe, não têm pauta predeterminada e seus artigos não sofrem sucessivos cortes para se ajustarem à linha editorial do veículo que paga o seu salário. Mesmo os caçadores de paraquedistas, que escrevem sobre assuntos da moda para lucrar com o AdSense, têm uma liberdade editorial muito maior que as revistas de fofocas, seu equivalente na mídia tradicional.
Na maioria dos casos, o blogueiro escreve sobre o que gosta. Geralmente, por ter interesse no tema, pesquisa a respeito e produz bons textos, mesmo sem formação técnica (que também falta a muitos jornalistas, aliás). Ele não é obrigado a escrever qualquer coisa para preencher uma página na última hora, nem será demitido se atrasar em um ou dois dias a publicação de um artigo a fim de torná-lo mais completo.
Se um assunto surge de uma hora para a outra, o blogueiro não precisa aguardar a edição do dia seguinte, ou da próxima semana, para falar a respeito. Basta conectar-se e escrever. A versatilidade dos blogs lhes confere uma agilidade maior que a da mídia tradicional.
É por essas e outras que blogs se tornam uma referência cada vez mais importante. Se eu quiser ler sobre as últimas novidades da tecnologia móvel, você acha que vou abrir um jornal – ou, que seja, o site de um jornal – ou vou gastar dinheiro numa revista que mofa nas bancas há duas semanas? De jeito nenhum. Minha primeira consulta será ao blog da Bia Kunze, porque sei que encontrarei por lá informação em primeira mão e, acima de tudo, sincera. A Bia não fará uma resenha favorável a um celular para agradar um fabricante – pode até escrever um texto parcial, mas fornecerá argumentos para justificar suas impressões e, mais importante, não fingirá isenção. O mesmo vale para outros tantos blogs de nicho, como o Meio Bit e o Gui Leite.
Mesmo os blogueiros que fazem resenhas pagas avisam seus leitores quando esse é o caso e, afinal de contas, não estão obrigados a fazer elogios ao produto – sequer são obrigados a escrever a resenha. Blogueiros têm total liberdade para escolher sobre o que falar, que mercadorias avaliar, quais pontos destacar. A mídia clássica fornece uma visão tendenciosa sobre produtos, fatos e notícias, escondendo-se atrás de uma pseudo-isenção; os blogueiros assumem suas posições pessoais, tornando-as claras aos seus leitores.
Outra evidência de que a campanha do Estadão como um erro é que ele mesmo, o Estadão, mantém uma série de blogs em seu portal – alguns muito sem graça, é verdade, mas outros interessantes. O que a campanha do Estadão quer dizer? Que só os blogs sob suas asas prestam? Que raio de julgamento faccioso é este?
De qualquer forma, não acredito que haja uma guerra entre a mídia tradicional e os blogs. Vejo ambos os veículos como complementares. Se quero conhecer a lista dos 10 livros mais vendidos, vou à revista; se desejo uma opinião sobre cada um deles, uma pesquisa pela blogosfera será mais produtiva. Para saber quem é o novo ministro da Defesa, abro o jornal; para ler opiniões honestas sobre a nomeação, consulto blogs.
Agora, se existe mesmo essa tal guerra, a mídia tradicional tupiniquim está perdendo. Na mesma proporção em que cresce o acesso do brasileiro à internet – especialmente à conexão de banda larga – aumenta a importância dos blogs como rede de entretenimento e formação de opinião. Os veículos que não entenderem essa transformação vão se fossilizar. É uma questão de tempo – pouco tempo.
No mundo da informação, ter “credenciais” conta cada vez menos.
P.S.: você sabia que a expressão “a mídia” está errada? Ela deriva de media (“meios”, em latim), pronunciada “mídia” pelos norte-americanos. Herdamos deles a pronúncia anglicizada e acrescentamos o artigo definido feminino, quando o certo seria nos referirmos aos meios de comunicação como “os media”.