Big Brother também é cultura

Big Brother is watching you Essa aconteceu há quase um mês; porém, como a ignorância é atemporal, vale comentar.

O Caje (o equivalente à Febem no Distrito Federal) fez concurso público, dia 27 de abril, para o preenchimento de 127 cargos de agente. Uma das questões da prova dizia o seguinte:

O reality show Big Brother (do inglês ‘grande irmão’ ou ‘irmão mais velho’) tem sido há quase uma década um fenômeno da televisão brasileira. Qual a origem do nome do programa?

Aí, o ilustre (?) deputado distrital Chico Leite, autor de uma tal Lei dos Concursos (um tanto vazia, decididamente eleitoreira – lembre-se, Brasília é a terra dos concursos públicos – e atualmente suspensa devido a uma ação de inconstitucionalidade) enviou à imprensa local a seguinte nota:

O candidato que se dedica horas a fio para se preparar não tem tempo para assistir ao Big Brother. Esse tipo de questão não avalia conhecimento algum.

Puxando a brasa para a sua sardinha, afirmou que a falta de uma lei que dê transparência aos concursos públicos é que gera esse tipo de questão, que considerou “vexatória aos concorrentes que se preparam com afinco e seriedade”.

Ora, excelentíssimo (??) deputado, vexatória é a vossa ignorância.

O uso do termo Big Brother para designar o reality show em que um grupo fica confinado numa casa cercada de câmeras, sob a vigilância constante da audiência, não surgiu do nada. A referência é pra lá de óbvia: “Big Brother”, ou “Grande Irmão“, era o nome dado ao Estado totalitário apresentado no livro 1984[bb], um clássico de George Orwell.

Orwell inspirou-se em seu próprio tempo, dominado por tiranos como Stalin e Hitler, para compor o romance que, publicado em 1948, já é considerado um clássico, dada a qualidade da obra e seu aspecto visionário.

Na ficção de Orwell, o Estado havia se tornado todo-poderoso: onipresente, onisciente e onipotente, o Grande Irmão controlava cada passo de cada ser humano, regulando todos os aspectos da sua vida, mesmo seus pensamentos. Ninguém nunca via o Grande Irmão, mas por toda parte havia cartazes espalhados que proclamavam “Big Brother is watching you” – “O Grande Irmão está observando você”.

Alguma semelhança com o reality show da Endemol que faz sucesso na programação global?

(E, cá entre nós, alguma semelhança com o Google?)

A questão da tal prova era daquelas que privilegiam o conhecimento real, não meramente a decoreba tediosa de leis e regras gramaticais. Era, sim, autorizada no edital, no item Atualidades, sob a expressão “artes e literatura e suas vinculações históricas”. Um simples “Conhecimentos Gerais” já bastaria. Como é que o deputado diz que a pergunta “não avalia conhecimento algum”?! Certamente, avaliou o dele.

Ademais, era uma questão de múltipla escolha. Ninguém precisava escrever um tratado sobre 1984. Só marcar um X.

É certo que o espectador médio do Big Brother nem desconfia que o nome do seu programa favorito veio de um clássico da literatura. Talvez vários candidatos ao cargo de agente do Caje também desconhecessem o fato.

Agora, que o professor (???) Chico Leite desconheça a obra e, ainda por cima, dê provas cabais de sua ignorância é, realmente, de surpreender.

Pena que não é preciso fazer prova para ser político.

Marina Silva pediu demissão do MMA

Marina Silva Lembrei-me do texto Um passo à frente, dois atrás, que publiquei aqui no DF no fim de 2007. A saída de Marina Silva do comando do Ministério do Meio Ambiente representa exatamente isso: um retrocesso, um atraso tremendo na política ambiental brasileira – provavelmente, o seu fim. Isso menos de uma semana depois da notícia de que a cana-de-açúcar já ocupa o segundo lugar na nossa matriz energética. Como eu disse: um passo à frente, dois – ou dez – atrás.

Com a partida de Marina Silva, cai um dos pouquíssimos bastiões de integridade do governo Lula. No que tange ao meio ambiente, descem por água abaixo quaisquer esperanças de um desenvolvimento sustentável, em que o interesse coletivo seja colocado em primeiro lugar.

Marina lutou bravamente enquanto esteve à frente do MMA, com uma determinação que contraria sua imagem frágil de quem já sofreu muito. Perdeu quase todas as lutas para interesses financeiros, corporativos e imediatistas. Percebeu a iminência da sua última derrota ontem, quando era claro que seria aprovava a medida provisória que amplia a extensão das áreas da União que podem ser exploradas e desmatadas na Amazônia sem a necessidade de licitação, medida provisória esta que veio para legalizar a situação de criminosos.

Hoje deveria ser um dia triste para todos que se preocupam com o meio ambiente e com o Brasil.

Serviço

Foto: Agência Brasil, encontrada na Wikipédia.

Folgando na Rede # 11

Navegando

Rede arco-íris Nasceu em abril mais um blog de fofocas de celebridades, o Zaranapoli. Com humor ácido, bom português e visual agradável, tem tudo para se consolidar no ramo do disse-me-disse dos famosos.

O Gira Mundo é um blog de viagens diferente: seu autor tem uma filha pequena e dá dicas interessantes para os pais continuarem viajando – e se divertindo – mesmo após a chegada da prole (e sem ter que mandá-la para a casa da avó toda vez que quiserem viajar).

Sabe aquele fragmento de conversa que você ouve no ônibus, na caminhada, na academia? Você acredita que há um blog inteirinho dedicado a esses fragmentos? Pode acreditar: é o Conversas Furtadas. Algumas passagens são de chorar de tanto rir.

Tirando o Pó

A Nospheratt publicou, no começo do ano, um texto polêmico e interessantíssimo: 10 razões pelas quais você NUNCA vai ser um blogueiro e/ou problogger de sucesso. Um tapa na cara de muita gentinha por aí.

Da série Eu Quero!: Café Espresso em Qualquer Lugar. Pena que custa uma fábula.

Essa também é velha: PlacaSP, uma invenção do Marmota. Você pode criar sua própria placa de rua paulistana em minutos:

Placa Paulistana para o Dia de Folga

Como na placa de verdade, cada pedaço tem um significado – inclusive o “450” ali no canto (uma coca zero para quem adivinhar o que representa).

Passatempos

Se você curte palavras cruzadas, precisa conhecer o site da Revista Recreativa, sob medida para se divertir no computador. Cuidado para não viciar! Via Alfarrábio.

No blog Telecartofilistas, descobri uma rede social para colecionadores de cartões telefônicos: é o Colnect, que permite o cadastro da sua coleção e dos cartões disponíveis para troca, facilitando o intercâmbio. Ótimo, já que Brasília não tem clube de telecartofilia. Pena que quase metade do meu bolinho de repetidos ainda não está no banco de dados do site… Eis o link direto para minha página no Colnect.

Você já pegou a nova Revista Feed-se? Está disponível para download desde ontem – e está fantástica!

Cana-de-açúcar já é a segunda fonte de energia do Brasil

Plantação de Cana-de-Açúcar Deu ontem na Folha Online: Cana-de-açúcar se torna segunda fonte de energia no Brasil. Segundo os dados de 2007, a cana-de-açúcar já responde por 16% da matriz energética brasileira, atrás apenas do petróleo e seus derivados, com 36,7%. A energia hidráulica caiu para o terceiro lugar, com 14% de importância.

Em meio a toda a polêmica que se criou em torno da produção de biocombustíveis, é um alento e uma esperança ouvir uma boa notícia como esta.

Polêmica, diga-se, mal-intencionada na maioria dos casos. Lula falou bem ao declarar, em outras palavras, que ninguém fazia/faz tanto fuzuê quando o assunto é aumento de preços do petróleo, mesmo sendo de conhecimento geral o impacto enorme que ele causa sobre toda a cadeia produtiva; no entanto, é só a produção de biocombustível se tornar interessante – e concorrente – que lá vêm as críticas. (De vez em quando, bem de vez em quando, o Lula manda bem.)

Boa parte das críticas derivam da comparação da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar com a produção do mesmo combustível a partir do milho, querendo atribuir à primeira os problemas inerentes à segunda – e isso é comparar alhos com bugalhos. Quem faz tal associação, ou ignora completamente o assunto ou está, realmente, cheio de más intenções.

Em linhas gerais:

Corn FlakesA produção de cana-de-açúcar não concorre com a de alimentos. No caso do milho, essa concorrência é direta (os norte-americanos, que têm se dedicado ao cultivo do milho para etanol, utilizam o mesmo grão em larga escala na sua alimentação) e indireta (por lá, o milho serve de ração para o gado).

O álcool de cana é muito mais barato que o de milho. O galão de gasolina custa 27% mais que a quantidade equivalente de etanol de cana (já considerado que o consumo deste é 30% maior); comparada ao etanol de milho, a gasolina custa 18% a menos.

O etanol de cana é muito menos poluente que o de milho. A gasolina libera 20,4 libras de gases causadores do efeito estufa a cada galão queimado; o álcool de milho libera 16,2 libras; o álcool de cana libera apenas 9 libras – 56% a menos que a gasolina usada no Brasil, que traz 25% de álcool e, portanto, já polui menos que a norte-americana. A depender da gasolina, a redução na poluição chega a 90%.

– O etanol de milho consome, na sua produção, tanto combustível fóssil que quase não compensa o que economiza de carbono na queima, em relação à gasolina. Já o etanol de cana produz 8 vezes mais energia consumindo a mesma quantidade de combustível fóssil.

Pode-se reduzir a zero o consumo de combustível fóssil para a produção do álcool de cana: basta usar seu próprio bagaço na geração da energia necessária para a produção do etanol. Várias usinas brasileiras fazem isso, dispensando o consumo de petróleo e derivados e de eletricidade.

Claro que, nessa equação, há outros dados a considerar. O Brasil tem 4 grandes desafios para a produção de um biocombustível realmente limpo:

Limitar a expansão das plantações de cana-de-açúcar sobre terras dedicadas à agricultura de alimentos e à pecuária. Hoje, cerca de apenas 2% da terra arável do país é ocupada com cana-de-açúcar. Esse percentual pode aumentar, desde que racionalmente. Há terras ociosas aos montes no país, além de espaço para o incentivo à mecanização da agricultura e à pecuária intensiva, gerando maior produção por hectare.

Impedir o avanço da cana sobre a floresta amazônica. Atualmente, as maiores agressões à Amazônia vêm de madeireiros e plantadores de soja. Para que venham dos canaviais, basta que a cana se torne mais lucrativa que a madeira e a soja – e aí, ao custo da floresta amazônica, será difícil convencer o mundo de que o álcool de cana vale a pena.

Eliminar o trabalho penoso, degradante e, às vezes, em regime de escravidão a que estão sujeitos, hoje, boa parte dos cortadores de cana. A mecanização é um caminho necessário. Sim, trará desemprego, mas o trabalho em condições subumanas não se justifica em nenhum cenário.

Erradicar a prática das queimadas, usadas para facilitar o corte da cana e responsáveis por uma alta liberação de gases causadores do efeito estufa.

O jogo consiste em dominar a ganância e trabalhar a favor da produção sustentável – algo em que o Brasil não costuma ser bem-sucedido. Não dá para esperar que esse equilíbrio entre lucros e danos seja atingido pela simples conscientização dos produtores. A palavra-chave é fiscalização, acompanhada de rigorosa punição aos infratores – as leis já existem, basta aplicá-las. Infelizmente, o governo brasileiro é mal-aparelhado, ineficiente e pouco preocupado em fazer valer a lei.

O problema é que, se o custo do álcool de cana for alto, traduzindo-se na exploração humana e no desmatamento, não há carbono zero na saída que convença o mundo de que o preço na entrada vale a pena.

Os dados que comparam o etanol de cana ao de milho e à gasolina
foram retirados da National Geographic Brasil de outubro de 2007.

Créditos das imagens: jesuino e woodsy.