Ficha Técnica
Brasil, 2006. Comédia. 112 minutos. Direção: Heitor Dhalia. Com Selton Mello, Paula Braun, Lourenço Mutarelli, Flávio Bauraqui, Fabiana Guglielmetti, Sílvia Lourenço.
Lourenço (Selton Mello), dono de uma loja que compra e vende objetos usados, vê-se em apuros após ter que se relacionar com uma de suas clientes, que julgava estar sob seu controle.
Mais informações: Adoro Cinema.
Comentários
Parece que os filmes nacionais sempre vêm sob rótulos: antes, era o cinema novo, depois foi a pornochanchada. Recentemente, a comédia de situação. Não que haja algum demérito em seguir padrões de sucesso a cada época. Por outro lado, é agradável ver um filme ignorar tendências e crescer por si mesmo. É o caso de O Cheiro do Ralo.
Quem espera uma comédia como O Auto da Compadecida ou O Coronel e o Lobisomem, dois outros filmes que têm Selton Mello como protagonista, pode começar a rever seus conceitos. Em O Cheiro do Ralo, a comédia anda de mãos dadas com o drama e o papel de Selton Mello é bem diferente daqueles em que o público está acostumado a vê-lo.
Lourenço é um sujeito misantropo e taciturno. Sua interação com outros seres humanos dá-se na base da compra e venda (ou apenas compra, já que não se vê nada sendo vendido na loja que lhe pertence). Seu olhar sobre as pessoas não é diferente do que lança aos objetos que lhe são apresentados. Não por acaso, nenhum personagem tem nome além do próprio Lourenço. O protagonista coisifica todos que o rodeiam, avalia-os de cima abaixo em busca de alguma utilidade ou função para si próprio. Assim, mantém tudo sob o estrito domínio dos seus interesses – ou quase tudo.
As maiores frustrações de Lourenço são, justamente, as duas únicas “coisas” que não pode controlar: o cheiro do ralo do banheirinho de seu galpão e a garçonete da lanchonete da esquina. Esses elementos se tornam, conseqüentemente, suas grandes obsessões.
O Cheiro do Ralo, em termos visuais, é muito simples – aliás, foi filmado com a cara e a coragem, gastando modestíssimos, 300 mil reais, uma ninharia para um longa-metragem. O que chama a atenção é o discurso. Num filme, espera-se encontrar vários pontos de vista, colocados obviamente ou não. Em O Cheiro do Ralo, a narrativa é toda em primeira pessoa. A câmera acompanha o olhar de Lourenço, com poucos escapes – e, mesmo durante estes, a perspectiva é a de Lourenço. A direção de Heitor Dhalia entrega aos espectadores a idéia de que Lourenço é o centro do mundo, exatamente como lhe parece.
Lourenço guarda inegável semelhança com Mersault, personagem psicopata do livro O Estrangeiro, de Albert Camus. O caráter obsessivo do protagonista de O Cheiro do Ralo contribui, ainda, para aproximá-lo do livro O Processo, em que Joseph K. sente-se torturado por não descobrir as causas que o levaram a ser processado. O existencialismo é a tônica do filme.
Haverá quem critique a produção pelas cenas de nudez – que, realmente, seriam apelativas se não tivessem um contexto, evidenciando ainda mais a coisificação das criaturas. Minha única crítica é que O Cheiro do Ralo tenta se explicar demais, fazendo questão de traduzir em palavras suas idéias. Talvez tantas explicações sejam necessárias para que a história se faça compreender pelo grande público.
O Cheiro do Ralo é daqueles filmes que entrarão para a história do cinema nacional, graças à qualidade de seu argumento e à ousadia de sua equipe.
Merece destaque a atuação de Sílvia Lourenço como uma viciada em desespero. O filme traz, ainda, as participações especiais de Suzana Alves, a Tiazinha, como uma professora de ginástica, e de Paulo César Peréio como a voz do pai da noiva de Lourenço.
Referências
- Lourenço Mutarelli, página do autor do livro que deu origem ao filme
- O Cheiro do Ralo, site oficial
Adorei esse filme, mas acho que faltou dizer que o filme é divertido, engraçado, não uma comédia propriamente dita, mas um certo humor negro, com ótimos diálogos entre Lourenço e ele mesmo…rs. Aquela frase dos convites que já estão na gráfica é ótima, os convites viram uma coisa primordial para a maioria das pessoas envolvidas. “Mulher é tudo igual é só bobear que os convites vão para gráfica”, era algo assim.
E a parte do olho? hilário. Li em alguma crítica que há essa coisa Frankestein no filme. O Lourenço vai se construindo a partir do cheiro do ralo, vai se tornando cada vez mais o Lourenço.
Também não achei as cenas de nudez chocantes. Até estavam dentro de contexto, principalmente no caso da drogada e, mais ainda no da bunda. A cena em que ele não reconhece a garçonete pelo rosto é outra ótima.
E o segurança interpretado pelo próprio autor do livro é outra figuraça. Algumas pessoas reclamaram que eles tentam dar um ar cult a Lourenço, mas não vejo mal nenhum nisso.
Ah espero que essa caixa não tenha limite de caracteres…rs. E obrigada por me lembrar de Mersault, Lu. Desde que assisti o filme estava tentando tirar da cachola outro personagem, era justamente esse de O Estrangeiro.
Gostei do filme, mas senti a mesma coisa que você: há muitas tentativas de deixar tudo mastigadinho através das palavras… às vezes a narração em off me incomodava bastante.
Mas com certeza o filme é muito superior ao anterior do Dhalia (“Nina”), e custou só R$ 300 mil.
Você já viu “Contra Todos”? É um filme nacional ótimo lançado há uns 3 anos. Também é uma produção mais barata que a média, tem a Sílvia Lourenço muitíssimo bem no papel, direção excelente. Vale muito a pena.
e eu aqui, so deus sabe quando eh q vou ter a chance de ver esse filme.
Eu assisti ao filme semana passada e ainda não sei se gostei ou não!
he he he, não, não sou maluco! =)
.:: Enoch – Jequié, Bahia
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