Dos livros da Danuza, meus favoritos são Quase Tudo (sua autobiografia, nada menos que fascinante) e Na Sala com Danuza, uma revolução no tocante ao ensino de boas maneiras (e que deveria ser leitura obrigatória nas escolas). Os outros todos são apenas mais ou menos. Gosto de uma crônica ou outra, adoro quando ela usa de ironia ou escreve sobre os gatos e, no restante do tempo, só acho legalzinho. É Tudo Tão Simples segue esse caminho.
Várias amigas me disseram que eu tinha que ler o livro, que é a minha cara. Realmente, Danuza começa falando em passar adiante tudo aquilo que está sem uso, entupindo armários: prataria, cristais, porcelanas. Admite, no entanto, que tem mais roupas do que precisa e não consegue se livrar delas. Até aí, tudo bem. É logo nesse início que ela escreve uma das melhores frases do livro: “Andei pensando nessa história de simplificar, e vejo que passei a primeira metade da minha vida querendo ter as coisas – todas as coisas – e estou passando a segunda metade querendo me desfazer das coisas, e ficar apenas com o essencial”. Bacana, não é?
Só que essa vontade toda de simplificar não aparece em boa parte do livro, que contém listas e listas do que pode e não pode, deve e não deve, do que é essencial numa viagem etc. e tal. Além disso, há um certo choque diante da tecnologia, e também dos novos modelos familiares, que me soaram estranhos vindo de quem tem uma vivência tão grande, andou pelo mundo inteiro, conhece tanta gente diferente. Bom, pode ser só pra fazer graça.
Tem também a contradição. Lá pelas tantas, ela diz: “Se me oferecessem uma volta ao mundo em hotéis trinta estrelas, tudo de graça, mas que eu não pudesse comprar rigorosamente nada, eu não iria”. Sério?! Será que isso é simplificar? Eu iria, Danuza! Se te oferecerem, pode aceitar e passar pro meu nome, tá?
E será que mulher ainda precisa de homem pra viver bem e feliz, como ela quer fazer crer? Será que não existe diferença entre comer carne e usar um casaco de pele? Será que a gente precisa se preocupar tanto com as aparências? Será que a gente precisa mesmo ter tantas coisas no armário (jeans desbotado, dois jeans brancos, muitas bolsas, um all star, um blackberry, um ipad etc.)? Será que não dá pra sair com mães e conversar de outra coisa que não sejam seus filhos?
A minha implicância principal é com a ideia errada que o título e as primeiras páginas passam. O livro tem pouco a ver com simplificação, com levar uma vida mais leve (outra passagem em que ele tem a ver com tudo isso é quando ela trata dos saltos altos e da tortura que podem representar). Mais precisamente, ele é um esboço do mundo de hoje, com todos os seus apelos ao consumo, os milhares de gadgets – e as pessoas incapazes de se conectarem com outros seres humanos a não ser por meio dessas telinhas tecnológicas -, a dificuldade que é organizar um jantar em família, as obrigações sociais e os modos de fugirmos delas… A vida atual é, realmente, bem complicada. Se não soubermos administrar nosso tempo e fazer valer nossa vontade, ela nos engole. Danuza admite e trata disso mas, exceto por um ou outro insight, ela parece ter bem pouca vontade de simplificar.
Apesar de tudo isso, o livro vale pelo olhar crítico e pelas boas risadas que proporciona. E, claro, pelas dicas de boa educação – com o uso do celular, por exemplo -, artigo cada vez mais raro.
Trechos
Andei pensando nessa história de simplificar, e vejo que passei a primeira metade da minha vida querendo ter as coisas – todas as coisas – e estou passando a segunda metade querendo me desfazer das coisas, e ficar apenas com o essencial. Bem curiosa, a vida. (p. 16)
E por falar em lição, aí vai outra, de autoria de Ingrid Bergman: “Para ser feliz, é preciso ter uma boa saúde e uma péssima memória.” (p. 34)
Na hora de comprar, esteja segura; na dúvida, não compre, e tendo certeza, ainda assim, duvide. O grande segredo é conhecer seus limites. (p. 35)
Depois da separação, é importante que haja uma quarentena para que os novos solteiros voltem a se mostrar em público, já com seus novos amores. Apenas uma questão de delicadeza. (p. 48)
As famílias gastam uma nota, às vezes acima de suas posses, mas querem tudo a que têm direito, e ouvi falar de um [casamento], recentemente, que custou quinhentos mil, e depois o casal foi morar num apartamento alugado. (p. 53)
Como as mulheres mais elegantes que existiram no mundo – Audrey Hepburn, Jacqueline Kennedy, a duquesa de Windsor – jamais usaram salto altíssimo, sempre salto pequeno, isso me anistia a nunca mais tentar usar salto alto, que faz de mim a mais infeliz das criaturas. (p. 54)
Ao contrário do que se diz, amigos existem na hora em que a vida está péssima. Mas se ficar tudo maravilhoso, prepare-se para momentos de grande solidão. Costuma ser difícil suportar o sucesso dos outros. (p. 65)
Se ligar para o celular de alguém, a primeira coisa que deve perguntar é: “Você pode falar?” (p. 71)
Meus amigos já sabem: quando estão comigo desligam o celular, e se algum esquece, eu reclamo, reclamo mesmo, e até acho que perdi alguns (amigos, não celulares) por isso. E tem alguma coisa pior do que achar que está com uma pessoa, e ela estar conversando com outra? É a maior solidão do mundo, mas tem pior, sim: outro dia eu estava na casa de uma amiga, éramos seis pessoas. Pois acredite: cada uma delas estava com uma maquininha na mão. Uma tuitava, a outra mexia no iPad, outra mandava uma mensagem, e depois soube: tinha um que se comunicava com outro que estava na mesma sala, dá para acreditar? Pois eu estava lá, vi, e me senti mais só do que se estivesse perdida no deserto do Saara. (p. 72)
Está meio na moda achar que é elitismo falar de maneira correta, comer de maneira correta, que é preconceituoso achar que cortar o bife com os dentes é feio. Não é; isso se fazia na Idade da Pedra, mas fomos nos civilizando e aprendemos a conviver mais educadamente. A boa educação não é artigo de luxo, mas de primeira necessidade, e não é preciso ser rico para ser educado. (p. 77)
Palitos, ah, os palitos. Só no banheiro, sozinha, de luz apagada. (p. 82)
Se me oferecessem uma volta ao mundo em hotéis trinta estrelas, tudo de graça, mas que eu não pudesse comprar rigorosamente nada, eu não iria. (p. 103)
Cada vez que eu viajo penso que pode ser a última, então não deixo de fazer nada; e se tiver sido mesmo? E não esqueça a regra de ouro: quanto mais pobre o lugar para onde você vai, melhor deve ser o hotel – e vice-versa. (p. 106)
Passaporte, dinheiro, passagem de volta, cada um fica com os seus, mesmo viajando com o marido, com quem é casada há trinta anos. E se brigarem? (p. 108)
Volte uns quatro dias antes de recomeçar o trabalho, para se refazer das férias. (p. 108)
E tem aquela história de um conhecido banqueiro, fóbico: Ao ser perguntado “Mas o sr. não sente saudades de viajar?”. Ele respondeu: “Meu filho, depois do advento do Google, isso tudo está superado.” (p. 112)
Aos 15 anos muitas delas [das crianças] já conhecem o mundo tudo, mas não sabem de nada; ok, aprenderam a comer escargots, mas isso é pouco, do ponto de vista cultural, mesmo que se esteja falando de cultura gastronômica. (p. 112-113)
Depois dos quarenta, não dá para tomar café da manhã, almoçar e jantar, nem em viagem, nem nunca. (p. 118)
Segundo Chanel, se você tiver até 1,60m de altura, não deve nunca usar saltos altíssimos, porque não adianta; vai continuar pequena, e a perna vai ficar do tamanho do salto, em total desproporção. (p. 135)
Prepare-se para receber dos seus queridos filhos telefonemas do carro – e só do carro -, quando estão indo do trabalho para casa. Do escritório não podem, pois estão muito ocupados, e de casa não podem, para não roubar um minuto do tempo dos cônjuges, que vida. (p. 170)
Pense bem antes de tomar certas decisões, tipo morar sozinha e ser livre, pois todas as decisões implicam riscos. Um deles é você se acostumar, e nunca mais querer morar com ninguém. (p. 179)
Nenhuma mulher, com um mínimo de brio, fica com um homem que não a ame apaixonadamente. (p. 186)
“A humanidade está três drinques atrasada”, disse Humphrey Bogart em 1950, e continuou: “Se Stalin e Truman tomassem três drinques agora, o mundo não precisaria da ONU.” (p. 191)
Ficha
- Título: É Tudo tão Simples
- Autor: Danuza Leão
- Editora: Agir
- Páginas: 192
- Cotação:
- Encontre É Tudo Tão Simples.
Arrasou, li e amei esse livro, Danuza consegue ser ironicamente critica e bem humorada. Parabéns por ter lido também, adoro teu blog .-. beeijos
É um ótimo livro que recomendo fortemente!
Lu, caramba, tinha um tempão que eu não vinha aqui!!! Recebi suas sugestões e respondi seu mail (adorei tudo) e vim aqui rever você. Me desculpa a ausência, tá? Não sou dessas de achar que tenho obrigação de entrar em blog algum, mas eu realmente adoro as coisas que vc escreve e tinha te “perdido” no meio da loucura da net e dessa mudança de blogs.
Olha, eu só li Na Sala com Danuza e, mesmo assim, só quando tinha uns 14 anos e depois uns 18. Adorei esse livro, achei ela super descolada. Não sei o que acharia hoje em dia se eu relesse o mesmo. O que eu penso é assim: a Danuza é uma pessoa que tem um bom gosto e que sabe lidar com algumas situações que a maior parte das pessoas não sabe. Ok, mas e essas regras todas? Olha, quando eu era bem pequenininha, aprendi a usar os talheres de forma americana, européia e por aí vai. Sei escrever cartões de agradecimento e até tenho etiqueta pra situações que nunca vão acontecer na minha vida, porque eu sou classe média mesmo e não vou, por exemplo, conhecer ninguém da realeza (eu acho.). A minha família é, de modo geral, erudita e tradicional, mas sinceramente? Ninguém se prendeu a essas coisas e somos REALMENTE muito, muito simples.
A minha opinião, de quem não leu o livro, é de que, talvez, o que Danuza relatou no livro dela, seja, para ela, uma grande simplificação mesmo. A gente tem que ter em mente que, para a maioria esmagadora das pessoas, tudo que está escrito nesse livro é tão, mas tão distante da realidade delas, que a vida da Danuza parece muito fácil (a vida de ninguém é fácil). Então eu acho que o livro só tem sentido real para poucas pessoas e eu entendo isso. A maior parte das pessoas deixaria passar se o namorado/marido usasse o palito num restaurante de forma discreta e não ficaria profundamente chocada com isso. Quer dizer, acho que a gente vai se desapegando da etiqueta em alguns aspectos, não porque a gente vá se tornando mal educado mas porque a gente percebe que tudo é relativo, que o que importa não é passar uma boa impressão, mas estar bem. Acho que o bom senso vai substituindo essas listas e regras.
Um grande abraço!
@Marina, está desculpadíssima, claro! Eu mesma ando meio ausente, como te respondi por email. 🙂
Pode ser isso, mesmo. Ela pode ter achado que exerceu um grande desapego nos últimos anos e, para os padrões dela, até que foi. Em todo o caso, o livro é divertido, mas o “Na Sala com Danuza” ainda é melhor, na minha opinião.
(Etiqueta para a realeza??? Hahahaha, eu faria um papelão, não faço ideia nem de por onde começa!)