Seria maravilhoso ter um arranhador em forma de Enterprise… Já pensou, Mel e Cacau audaciosamente indo onde nenhum gato jamais esteve?

Veja mais arranhadores inspirados em Star Trek.
Dica do Cardoso.
Porque são lindos, fofos e tive duas muito amadas.
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A gente acha que gatos vêm pré-programados pra usar a caixa de areia, né? Bem, isso em parte é verdade. O gato é instintivamente limpo: ele se lambe, enterra os dejetos para não denunciarem sua presença, a mãe come a placenta do filhotinho para que o cheiro de sangue não atraia predadores… Tudo isso é instintivo.
Só que é necessário, também, algum treinamento. O gatinho aprende a usar um terreno arenoso para fazer xixi e cocô vendo a mamãe gata. É com ela, também que entende como funciona esse negócio de enterrar as caquinhas. Se o filhote não teve convivência com a mãe, ou com algum gato mais velho, talvez ele simplesmente não entenda esse negócio de caixa de areia.
Foi o caso da Mel Branquela. A ninhada foi separada da mãe muito cedo, por estar em área de risco. Ela e os dois irmãozinhos passaram semanas numa gaiola de clínica veterinária. Não havia caixa de areia lá – a gaiola era forrada com jornal. Resultado: quando levei a Mel pra casa, ela não fazia a menor ideia do que era aquele troço com areia. Largava o xixi onde bem entendia – de preferência, em cima da minha cama… (curiosamente, desde o início o cocô sempre esteve dentro da caixa, embora ela não o enterrasse.
Foi preciso muita persistência para a Mel entendesse a função da caixa de areia. Seguindo a dica da protetora que a recolheu, comecei a usar jornal na caixa. Também molhava pedaços de jornal no xixi (quando ela fazia no chão e me permitia isso) e os colocava dentro da caixa, pra que ela percebesse que ali era o lugar onde o xixi deveria estar. Além disso, usei um educador à base de amônia que ajudou na coisa toda: umas gotinhas dele iam pra caixa de areia todos os dias, para atraí-la pelo cheiro a fazer o xixi no lugar certo. Por fim, foram necessárias algumas tentativas até encontrar um tipo de areia que ela não rejeitasse (que, aliás, é das mais baratas).
A coisa toda levou meses. Foi desgastante, frustrante, irritante. Depois de duas semanas fazendo xixi no lugar certinho, Mel resolvia ter alguma recaída e eu já começava a achar que ela nunca aprenderia. Sabe o que funcionou definitivamente? Adotar uma gata adulta e bem-educada (embora não tenha sido esse o motivo da adoção). Cacau chegou usando a caixa direitinho e a Mel aprendeu com ela. Aprendeu, inclusive, a enterrar o cocô.
Tudo isso pra dizer que a coisa não é tão instintiva assim. Gatos precisam ser educados (como cães, como crianças) e, se a mãe biológica não teve tempo de fazê-lo, a mãe adotiva precisará suprir essa carência.
Quer conhecer algumas das principais causas para seu gato não usar direito a caixa de areia? Leia esse texto da Adote um Gatinho. Há dicas valiosas para facilitar o aprendizado do seu bichano. Leve em conta, também, a minha experiência… e tenha paciência.
Lembra que, quando falei pela primeira vez da FeLV, disse que a Mel era assintomática. Pois bem: não é mais.
No fim de março, viajei por quatro dias. Mel e Cacau estavam felizes e arteiras como sempre. Quando voltei, achei a Mel um pouco quieta, mas dentro do esperado – ela normalmente fica menos ativa e mais grudenta logo que volto de viagem, por causa da saudade.
Na manhã seguinte, ela vomitou. Um vômito incomum, sem ração (sinal que não comia há muitas horas) e amarelo (o que me remeteu à bile). Quando voltei do trabalho, achei outro vômito, e ainda a vi vomitar mais uma vez – e parecia que ela sentia dor ao vomitar. A branquela hiperativa estava abatida, isolada, amuada dentro de uma caixinha de transporte. Não queria saber de comer.
Levei-a à veterinária imaginando algum problema estomacal ou sei-lá-o-quê. Certamente, não estava preparada para o que ouvi: linfoma intestinal. O diagnóstico feito a partir do exame clínico foi confirmado horas depois por uma ultrassonografia. Linfonodos do intestino, mesentério, estômago e aorta estavam aumentados (alguns muito aumentados).
Não lembro muita coisa do que ouvi nessa consulta, tanto que a veterinária teve de repetir algumas orientações mais tarde, por email. Eu perguntava e perguntava, tentando entender. Sangue foi colhido e o hemograma veio quase normal, com poucas alterações nos glóbulos brancos, o que autorizava a quimioterapia, que foi marcada para a segunda-feira seguinte (o diagnóstico veio na sexta, dia primeiro de abril – e bem que eu queria que fosse mesmo mentira). O tumor não é operável, pela extensão. O único tratamento é quimioterápico.
Enquanto isso, passei a dar um antivomitivo a cada 12 horas. E a alimentação? Mel não queria saber de comer nada, mas precisava. Já tinha perdido cerca de 10% do seu peso. O jeito era forçar. Além do risco de desnutrição, gatos não podem ficar mais de um ou dois dias sem comer, ou correm o risco de desenvolver lipidose hepática, um distúrbio fatal. Comprei A/D (uma pasta altamente palatável, nutritiva e hipercalórica), enchia uma seringa de 10 ml. e empurrava goela abaixo da Mel.
Eram de 5 a 7 seringas por dia. Menos que isso, seria insuficiente; mais que isso era inviável, porque eu não podia simplesmente dar uma seringa atrás da outra: se eu não esperasse pelo menos uma hora e meia entre cada “refeição”, Mel vomitava (apesar do antivomitivo). O jeito era fugir durante o expediente, dormir de madrugada e acordar cedo para alimentá-la o máximo possível. Você pode imaginar que, embora o A/D seja gostoso, o processo é estressante. Quem é que gosta de ser forçado a comer? Mel arranhava, lutava, fugia.
Com a introdução da quimioterapia, um novo remédio foi adicionado à lista diária: 3 ml. de corticóide, uma vez ao dia.
Lá pelo quarto dia de A/D, veio a diarréia. Não dava tempo nem de pensar em chegar à caixa de areia. Esse é um efeito colateral comum da pasta, por ser muito gordurosa, mas eu não podia retirá-la porque a Mel ainda não comia sozinha. Inclua aí na lista um remédio a cada 12 horas para cortar a diarréia. E quem disse que cortou? Diminuiu, quase sempre dava pra chegar à caixa de areia, mas o ânus da Mel estava, como se diz por aí, “em carne viva”. Dava pra ver que sangrava, doía, fazendo-a andar de pernas abertas. Além disso, ela estava suja e já nem tentava se limpar. E eu tinha que continuar dando o A/D…
As coisas começaram a melhorar 8 dias depois do diagnóstico. Mel parecia interessada na ração seca, cheirava um pouquinho… mas não comia. Por outro lado, via-se que estava mais alerta (o que implicava uma luta ainda maior para que comesse o A/D na seringa e tomasse a batelada de remédios – 5 por dia). Suspendi o A/D e torci para que ela comesse a ração seca… doze horas depois, Mel começou a comer sozinha. Ufa, ufa, ufa! Após mais de uma semana de angústia, finalmente eu conseguia ter esperanças.
Depois disso, a branquela ainda perdeu peso – chegou a 3.480 gramas, uma perda de 18% em relação ao seu peso normal. Veio a anemia. Mesmo assim, ela estava melhor: comia, interagia, voltou a brincar, a amassar pão na minha barriga, a lamber a irmã… A diarréia sumiu e um banho resolveu a sujeira, fazendo-a voltar a limpar-se normalmente.
Para contornar a anemia, passei a dar ração de filhotes (por ser mais substanciosa e, teoricamente, mais palatável – mas a Mel e a Cacau discordam) misturada à ração habitual e (mais) um comprimido, um suplemento vitamínico que, além de nutrir, abre o apetite. O hemograma feito depois de 15 dias revelou que o tratamento está funcionando: a anemia diminuiu e, ótima notícia, ela recuperou 200 gramas! Parece pouco, mas o mais importante é que reverteu-se a perda de peso que já tinha roubado 770 gramas da magrela.
Na próxima segunda-feira (30 de maio), Mel receberá a terceira dose de quimioterapia, de um total de seis, uma por mês. É apenas uma pílula e, até agora, não houve nenhum efeito colateral (provavelmente, ela ainda perderá os bigodes e as sobrancelhas). O prognóstico é bom: ela tem 70% de chances de ficar livre do linfoma. Provavelmente, no entanto, precisará da quimioterapia pelo resto da vida (a intervalos mais espaçados), porque uma das características da FeLV é justamente provocar esse tipo de linfoma (e outros dois: toráxico e medular). Um segundo tumor seria muito mais severo, então o protocolo mais recente recomenda quimioterapia preventiva.
Aprendi a dar comprimidos (ela ainda toma antivomitivo e suplemento vitamínico uma vez por dia, além do corticóide líquido – em remédios líquidos eu sou PhD há anos), a preparar uma seringa de A/D e dá-la inteirinha, a ter paciência com a diarréia (e a usar um protetor de colchão impermeável), a desenvolver técnicas de pegar um gato de surpresa para medicar. Ainda estou aprendendo a não ficar tão ansiosa. Tive algumas semanas de cão, e a Mel também, mas o pior já passou. Hoje, ela nem sabe que está doente, e você também não saberia se a visse. É o melhor que posso desejar: que minhas gatas vivam felizes, mesmo que não sejam saudáveis.
Enquanto esperava atendimento numa loja, a televisão mostrava as enchentes no Rio de Janeiro. Não consegui ouvir os detalhes, não sei em que cidade aconteceu. O que vi foi uma mulher no topo de um telhado, desesperada pela água que subia rapidamente, cercava toda a casa e ameaçava arrastá-la. Junto da mulher, um cachorro. Talvez vira-lata. Certamente muito amado. Apesar das chances reais de morrer, a mulher preocupava-se com seu cachorro. Segurava-o. Queria salvá-lo. Não tinha nenhum bem material além da roupa do corpo. Havia apenas o cão.
Ao lado, um prédio bem mais alto. Duas pessoas, em vez de fingirem que nada estava acontecendo, tentaram ajudar a mulher. Arranjaram uma corda e conseguiram jogar-lhe uma ponta. Ela se amarrou e segurou a corda com uma das mãos; com o braço livre, agarrou o cachorro. Sabendo que essa era a única chance de sobrevivência para ambos, atirou-se ao rio que se formara e confiou naqueles dois homens que lhe davam uma esperança.
Segundos depois, a mulher apareceu na superfície da água. Mãos vazias. A correnteza foi mais forte e arrastou o cachorro para a morte certa. A mulher, chorando o tempo todo, foi içada pelos homens. Não sei o que ela dizia. Imagino que estava em choque, assustada, lamentando a perda das suas coisas e do amigo que com tanta determinação ela tentou salvar. Amigo que, talvez, até pudesse ter saído antes do pior momento (não dizem que os animais pressentem mudanças meteorológicas?), mas certamente não abandonaria a dona, por não ser da sua natureza.
Ao meu lado, durante toda a reportagem, um senhor – provavelmente um cidadão respeitável, ciente de suas obrigações, da mais elevada moral e de reputação ilibada – reclamava: “Não é possível! Ela está preocupada com um cachorro! Que ridículo, nessa situação ela preocupada com um bicho!”.
Eu me lembrava das minhas gatas. Se um incêndio tomasse meu apartamento, tenho certeza de que meu principal objetivo seria salvá-las. Se não conseguisse… bem, eu podia imaginar a dor daquela mulher.
O que não podia entender era o descaso daquele sujeito ao meu lado. Será que nunca amou um animal? Será que nunca sequer conviveu com alguém que amasse um bicho? Seria absolutamente incapaz de ao menos ter empatia pela mulher que tentava salvar seu cachorro?
Como alguém pode criticar uma pessoa que tenta salvar seu animal da morte certa? Que tipo de ser humano é esse, afinal?
Na televisão, as últimas cenas dos homens que resgataram a mulher. Não sei o que pensaram sobre o cachorro, mas sei que fizeram o que podiam naquela crise. Não se omitiram.
Diante de um sujeito como o da loja, dá vontade de torcer pela extinção da raça humana. Aí, lembro da mulher lutando pelo cachorro e dos homens tentando salvá-la e até posso tentar acreditar que isso aqui ainda tem conserto.
Mas bem que podia rolar uma extinção seletiva.