07 de Setembro

Não sei se é em todo canto, mas aqui em Brasília feriado é feito pra se ficar em casa. Se você quiser fazer qualquer outra coisa, até pode tentar, mas só se tiver a proverbial paciência de Jó.

Esse ano, nem dei uma olhadinha na tevê pra ver os desfiles, coisa que sempre fiz. Eu gosto dos desfiles do Dia da Independência. Mas acho que essa lama toda dos últimos meses andou afetando meu patriotismo.

Sempre mais do mesmo

Metal contra as nuvens, a mais longa música da Legião Urbana (álbum V, dezembro de 1991) fala de decepção, traição, abandono. Dá a impressão de ter sido composta após alguma profunda desilusão amorosa.

Os legionários, no entanto, já sabem: Metal contra as nuvens foi feita por Renato Russo como um desabafo diante do descalabro trazido por Fernando Collor. A desilusão que a música irradia é em relação à política.

Quem já passou dos 25, lembra bem: Collor apareceu na campanha presidencial de 1989 como um Salvador da Pátria, prometendo liquidar o “tigre da inflação com uma só bala” e iniciar uma “caça aos marajás”. Seu concorrente era o matalúrgico Lula – esquerdista, despreparado e inculto. Os debates foram verdadeiros massacres. Collor ganhou as primeiras eleições diretas para a presidência do país em 30 anos.

Sua primeira medida foi confiscar contas correntes e poupanças, levando ao desespero milhões de pessoas que dependiam do dinheiro para saldar compromissos. Muitos empresários foram à falência, outros tantos suicidaram-se. A hiperinflação não foi contida e o país mergulhou numa profunda recessão.

Em 1992, depois de mais um plano fracassado para deter a inflação, surgiram as primeiras denúncias de corrupção, associando o então presidente a acusações de “Caixa 2” e outras maracutaias promovidas por P. C. Farias, tesoureiro da campanha de Collor. Foi instaurada uma CPI que culminou na sua renúncia, em dezembro de 1992, para escapar ao processo de impeachment. A manobra não deu certo e Collor foi declarado inelegível pelos oito anos subseqüentes.

Renato Russo tinha a qualidade de compor letras atemporais. Assim, Metal contra as Nuvens, embora se refira a um momento político determinado, é carregada de outros sentidos, possuindo a capacidade de produzir reações diversas em que escuta a música. Eu, por exemplo, embora conheça o real significado da letra há tempos, continuo associando-a à força que é necessária para seguir em frente quando as pessoas mais queridas dão as costas, traem, mentem, desaparecem. O bom poeta induz sentimentos e impressões além das meras palavras.

O que ninguém poderia prever, nem o próprio Renato, é que, catorze anos depois, Metal contra as Nuvens serviria sob medida para descrever outra realidade política, tão parecida à criada por Collor. Desta vez, o protagonista é Lula, aquele metalúrgico inculto e despreparado que, finalmente, foi capaz de conquistar a confiança de mais da metade dos eleitores brasileiros. Tudo para, depois, jogar essa confiança na lama, exatamente como Collor fez.

A história se repete, como um disco arranhado.

Notinhas

  • Quem duvida que o real significado de Metal contra as Nuvens seja político pode tirar a prova dos nove lendo a entrevista dada por Renato Russo em 1994 e publicada na Folha de São Paulo em 2001.
  • A letra e o áudio de Metal contra as Nuvens podem ser encontrados aqui.

Tarde demais

O excelentíssimo senhor Presidente da República dignou-se a fazer um pronunciamento ao país hoje, em cadeia nacional.

Em suma, Lula afirmou estar a par da gravidade da crise política, pediu desculpas à nação pelo PT e disse estar “tão ou mais indignado quanto qualquer brasileiro”. Também disse que não sabia de nada que estava acontecendo e pediu punição aos culpados. Aproveitou para declarar que o Brasil não pode parar por causa dessa crise e que a reforma político-partidária é urgente.

Ainda bem que ele tem noção da gravidade do cenário político atual. Se não tivesse, seria indício claro de alienação mental.

Agora, declarar-se inocente é um pouco demais. Como um Presidente da República podia não ter noção do que acontecia sob suas barbas (literalmente)? A velha história: se não sabia, era incompetente; se sabia, era corrupto; qualquer dos casos é terrível e não admite escusas.

Esse pronunciamento veio tarde demais. Passou do ponto. O Presidente perdeu o bonde e a chance de se explicar logo no começo da crise, há dois meses. Só agora, quando a situação ameaça atingi-lo e a imprensa já fala abertamente na possibilidade de impeachment, só agora ele achou importante vir a público – não da forma demagógica como tem feito nos últimos tempos, para meia dúzia de três ou quatro partidários, mas abertamente, para o Brasil inteiro.

É como o sujeito que, acusado de um crime, passa meses foragido e somente quando se vê num beco sem saída resolve se entregar e declara-se inocente. Difícil de acreditar.

Atualidades

Está realmente difícil escrever antecipadamente sobre a CPMI dos Correios e seus meandros, ou deixar comentários previamente gravados. Bem que o Luis Fernando Veríssimo falou avisou, na sua coluna no Jornal O Globo, no último sábado.

Ontem, o Jô Soares perguntou ao senador Sérgio Guerra (PSDB) o que ele pensava do pedido de prisão preventiva do empresário Marcos Valério. Queria saber se, na opinião do senador, o pedido deveria ou não ser deferido.

Acontece que o Programa do Jô é gravado poucas horas antes de ir ao ar. Tempo suficiente para que o pedido já tivesse sido indeferido, como veiculado no Jornal da Globo, minutos antes de ser exibida a entrevista.