Você acha que a catástrofe de ontem, que atingiu diretamente 200 pessoas em Congonhas e indiretamente cada um de nós foi uma fatalidade? Um azar? Vontade de Deus? Destino? Caso fortuito ou força maior?
Não foi. Não foi nada disso.
O acidente do com o vôo JJ 3054 da TAM, que levou à morte 162 passageiros, 18 funcionários da empresa e 6 tripulantes que estavam no Airbus A-320 da empresa e, ainda, pessoas que estavam nas imediações e no prédio da TAM contra o qual o avião se chocou foi uma tragédia anunciada.
O perigo de derrapagens era conhecido da Infraero e da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Em 24 de janeiro de 2007, o Ministério Público Federal impetrou ação civil pública contra a Anac e a Infraero. Leia o que o MPF pediu:
1) interdição da pista principal do Aeroporto Internacional de Congonhas com a interrupção de todas as operações de pouso e decolagem, até que a obra de recuperação geométrica de toda a pista, com a correção das declividades transversais e longitudinais, e a execução de uma nova capa asfáltica com grooving seja concluída.
2) realização das obras necessárias, conforme constatado pela Infraero e tudo o mais que for constatado em perícia a ser realizada de forma a garantir a segurança na utilização da pista principal do Aeroporto.
3) no remanejamento da escala dos vôos do Aeroporto de Congonhas para os Aeroportos de Guarulhos e de Viracopos com a conseqüente informação aos usuários/consumidores das alterações efetuadas.
4) determinação às rés que não ampliem o horário de funcionamento do aeroporto com relação ao uso da pista auxiliar para além das 23 horas, bem como o uso desta seja adequado as suas limitações e condições.
A razão do pedido? Leia trechos da ACP:
Até o presente momento foram pelos menos 4 (quatro) os incidentes ocorridos em razão de aquaplanagem. (p. 3).
O primeiro incidente havido em razão do desgaste da pista do Aeroporto e do acúmulo de água ocorreu em março de 2006 com relação a uma aeronave da empresa BRA, que não conseguiu frear e parou no canteiro, próximo à Av. dos Bandeirantes. (p. 3)
O segundo incidente aconteceu às 06h06min do dia 06 de outubro de 2006 com um Boeing-737/300 da empresa Gol que também derrapou na pista ainda molhada em razão de duas chuvas fracas havidas na madrugada. (p. 4)
Outra derrapagem (terceiro incidente) ocorreu no dia 19 de novembro de 2006 (domingo) por volta das 22h55min. Nessa noite, o Aeroporto Internacional de Congonhas fechou das 20h20min às 20h50min devido ao temporal que atingiu a cidade de São Paulo. (p. 6)
Mesmo após o serviço de re-texturização da pista, no dia 17 de janeiro de 2006, o quarto incidente ocorreu com a derrapagem de um Boeing-737 da Varig, às 17h48min. (p. 11)
Cumpre destacar que a própria ré Infraero admite as deficiências existentes na pista principal do Aeroporto de Congonhas, quais sejam nível de atrito insatisfatório, escoamento superficial da água prejudicado gerando lâmina d’água face à deficiência nas declividades transversais e longitudinais da pista. (p. 15)
O deslizamento das aeronaves é gravíssimo, pois retira do piloto o controle da aeronave, podendo ensejar acidentes pela impossibilidade de frenagem da mesma. Considerando, ainda, a inexistência de áreas de escape no aeroporto, conforme anteriormente explanado (fls. 62/64 e 126/127), a possibilidade de que uma dessas aeronaves deslize para fora do aeroporto atingindo uma das avenidas que o circundam é realmente palpável. (p. 15)
Saliente-se que a ré Anac também admite a existência dessas deficiências na pista do Aeroporto de Congonhas, uma vez que informou ter participado da decisão pela manutenção de interdição da pista e conseqüente suspensão das operações em condições de chuvas (…) (p. 16)
(…) mais uma vez pretendem os operadores do Aeroporto priorizar os interesses econômicos das companhias aéreas em detrimento da segurança dos passageiros, tripulantes e das pessoas que circulam no aeroporto e ao seu redor, tendo em vista que as novas discussões no setor são no sentido de que sejam retomadas as operações sem que a Recomendação do CENIPA de paralisação para verificação da existência ou não de lâmina d’água seja observada. (p. 17)
Saliente-se mais uma vez que mesmo com chuva fraca, porém constante, há a formação da lâmina de água, colocando em risco qualquer operação de pouso e arriscando a vida dos passageiros cuja aeronave pode deslizar e cair no meio das Avenidas que circundam o Aeroporto. (p. 17)
Quantas vidas mais serão colocadas em risco para que medidas efetivas e satisfatórias sejam tomadas? Quantos incidentes ainda terão que ocorrer para que as autoridades se conscientizem dos valores constitucionais máximos, dentre eles o direito à vida e à integridade física? (p. 24)
O inteiro teor da ACP está disponível na internet (em pdf). Recebi o link, junto com uma série de textos sobre o assunto, de um amigo promotor de justiça, há poucos minutos.
A ação traz copiadas diversas notícias de jornais, comprovando a existência do problema e a gravidade dos riscos. Também provou à exaustão que as autoridades envolvidas (Infraero e Anac) tinham conhecimento da situação alarmante da pista de Congonhas.
Então por que nada foi feito?!
Caramba, em que país estamos vivendo? O que está sendo feito das nossas vidas? Aos cuidados de quem estamos?
Onde está o governo federal, que nada faz?
Não falta dinheiro para lavar a mão de políticos, empreiteiras, sanguessugas e sabe-se lá quem. Não falta dinheiro para fazer caridade para Bolívia ou Argentina. Não falta dinheiro para executar obras superfaturadas para os Jogos Pan-americanos?
Cadê o dinheiro para reformar os aeroportos?!
Estamos num país desgovernado, literalmente. Entregues ao deus-dará, vamos levando enquanto o céu não desaba sobre nossas cabeças. Cordatos que somos, não reclamamos. Festejamos migalhas, pequenas (e caríssimas) obras, políticas assistencialistas. Enquanto isso, gente está morrendo.
O que aconteceu com a CPI do Apagão Aéreo?! Por que tanto medo de mexer na Infraero? Quais os podres que estão escondidos por lá?
Que lobby é esse que sacrifica vidas?! Como empresas aéreas e órgãos estatais podem mancomunar-se com tamanha irresponsabilidade, em total descaso com os milhares de seres humanos que, todos os dias, dependem dos aeroportos, ou estão situados
Quantas vidas serão perdidas antes que as autoridades acordem??