Pão e Circo – digo, Copa do Mundo

Enquanto o governo comemora o anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo 2014, eu me lamento. Você também deveria.

Sabe qual será o custo para a realização dos jogos aqui? 10 bilhões de dólares. Isso mesmo. Claro que essa é só a previsão inicial. Lembra que o Pan-americano 2007 custou seis vezes o valor previsto?

Não é falta de patriotismo da minha parte. Não é birra com o futebol – nem descarto a possibilidade de assistir a um jogo (já que Brasília deve ser uma das cidades “premiadas”). É realismo, só isso. O Brasil passa por graves problemas graves e não tem dinheiro sobrando (até onde se sabe).

Pão e Circo A infra-estrutura está caindo aos pedaços: problemas em estradas, portos, aeroportos, geração de energia elétrica, para citar apenas alguns. Há crises em várias esferas: desmatamento desenfreado na Amazônia, polícia e forças armadas mal-equipadas, da saúde pública sucateada, professores sem formação ou remuneração adequadas, previdência falida.

Mas, afinal, quem se importa com tudo isso? O que vale é que vamos sediar uma Copa do Mundo.

Convém a Lula e seu séquito manter uma grande massa de manobra, cordeirinhos dependentes e sem iniciativa, alimentados com bolsas e programas assistencialistas. O governo ainda sai por aí coberto de elogios e, se de repente aparecerem intenções lulísticas de um terceiro mandato, o povo vai soltar rojão.

Some-se a isso o pan-americano, o futebol, o carnaval e pronto – estamos de volta à Roma Antiga, direto do túnel do tempo.

A política do “pão e circo” não funcionou por lá. Em dado momento, o caos dos serviços públicos era tamanho, as disputas pelo poder eram tão intensas e a falta de dinheiro até para pagar o ordenado do exército – peça-chave da organização romana – era tão ultrajante que o esquema todo ruiu. Obviamente, o “pão e circo” também não funcionará eternamente por aqui.

Resta saber quanto tempo temos até esse castelinho de cartas ruir, e quais os efeitos nefastos que serão deixados como legado.

P.S.: não, não vou discorrer sobre a ida de Paulo Coelho no papel de “ícone cultural brasileiro”. Não vale a pena.

Verdade. Honra. Vergonha.

Foi com descrença que li primeiro no twitter: absolveram Renan Calheiros. Achei que fosse piada, um primeiro-de-abril fora de época.

Uma rápida busca pela web mostrou que era sério. Apesar dos sucessivos escândalos que rondam Calheiros há meses, apesar da pressão da mídia e da opinião pública, por 40 votos a 35 o senador foi absolvido da primeira e mais propalada denúncia envolvendo seu nome: o uso de dinheiro recebido de empreiteira para pagar pensão à sua ex-amante, incorrendo em quebra de decoro parlamentar.

Ingênua que sou, esperava coisa diferente, sim. Esperava que o Senado, a casa máxima do Poder Legislativo, guardasse ainda um pingo de dignidade. Tinha a ilusão de que, nem que fosse para angariar um pouco da boa-vontade do eleitorado, os senadores iriam cassar Calheiros. Imaginava que ainda restasse hombridade a pelo menos 41 parlamentares.

Ledo engano.

Ficou patente que a maioria dos senadores desconhece o sentido de palavras como honradez, dignidade, respeito. Sim, a maioria, porque os 6 que se omitiram são tão deslavadamente cínicos quanto os 40 que disseram sim a Calheiros. A corja que habita o Congresso já não teme a imprensa, a opinião pública, os protestos, as vaias. Teme, no máximo, as bravatas do presidente do Senado, que parecem cumprir bem o papel de intimidar quem anda com o rabo preso.

Boa parte da culpa é do eleitorado, que inocentou tantos suspeitos de corrupção nas últimas eleições, que vira e mexe reelege gente sabidamente bandida, desonesta, suja (atualização: sobre a culpa do eleitorado, o Inagaki escreveu muito bem). Outro tanto da responsabilidade vai para as demais instituições: o Judiciário lento, o Executivo subserviente, a classe média calada.

O que podemos fazer? Como lutar contra tanta corrupção? Como evitar atolar nesse lamaçal? Que esperança resta, no meio de tanta imundície? Eu, que não sou otimista por natureza, tento manter a crença de que já estamos no fundo do poço e que, agora, só subindo. Então, subitamente, dão um jeitinho de cavar ainda mais, afundando o país continuamente.

Gregório de Matos Guerra, o “Boca do Inferno”, escreveu no século XVII um texto que continua atualíssimo e não me sai da cabeça há semanas. Referia-se à Bahia daquela época, mas diria o mesmo sobre o Brasil de hoje. Com a palavra, o poeta.

Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os membros, e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia.

Que falta nesta cidade?… Verdade.
Que mais por sua desonra?… Honra.
Falta mais que se lhe ponha?… Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?… Negócio.
Quem causa tal perdição?… Ambição.
E no meio desta loucura?… Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são seus doces objetos?… Pretos.
Tem outros bens mais maciços?… Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?… Mulatos.

Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?… Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?… Guardas.
Quem as tem nos aposentos?… Sargentos.

Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.

E que justiça a resguarda?… Bastarda.
É grátis distribuída?… Vendida.
Que tem, que a todos assusta?… Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.

Que vai pela clerezia?… Simonia.
E pelos membros da Igreja?… Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?… Unha

Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.

E nos frades há manqueiras?… Freiras.
Em que ocupam os serões?… Sermões.
Não se ocupam em disputas?… Putas.

Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.

O açúcar já acabou?… Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?… Subiu.
Logo já convalesceu?… Morreu.

À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.

A Câmara não acode?… Não pode.
Pois não tem todo o poder?… Não quer.
É que o Governo a convence?… Não vence.

Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.

Resultado: os gastos com o Pan-americano 2007 valem a pena?

Em 13 de junho, perguntei se valia a pena gastar tanto dinheiro com o Pan-americano 2007, no Rio de Janeiro.

Pouco mais de 2 meses e 194 votos depois, o resultado é que:

  • 25%, ou 48 votantes, acham que sim, pois reverterão na melhoria da imagem do Brasil e da qualidade de vida dos cariocas
  • 75%, ou 146 votantes, acham que não e acreditam que os recursos deveriam ser usados para resolver os graves problemas do Rio de Janeiro

Resultado da Enquete: Os gastos com o Pan-americano 2007 valem a pena? Minha opinião sobre o assunto não mudou. Sim, foi legal ver o Brasil ganhar medalhas, a competição foi acessível aos praticantes de modalidades que contam com poucas verbas e muitas dificuldades para bancar viagens e, ok, talvez uma ou outra instalação venha a beneficiar a população do Rio de Janeiro.

O fato é que temos questões realmente graves para resolver. A criminalidade, a péssima qualidade do sistema educacional, o descalabro do Sistema Único de Saúde, para ficar apenas com três exemplos, são problemas urgentes que atingem não só o carioca, mas cada brasileiro, direta ou indiretamente. Eu sei, estou sendo repetitiva.

Gostei do debate, especialmente nos comentários feitos ao artigo original. Outro acréscimo valioso à discussão é a compilação de artigos sobre o tema organizada pela Veridiana Serpa. Sugiro a leitura de todo esse material.

Ainda não coloquei uma nova enquete no ar. Aliás, estou cada vez mais dividida sobre a utilidade dessas pesquisas. Comentários sobre questões específicas são muito mais instigantes que meros números impessoais.

O que você acha? Pesquisas de opinião nos menus laterais de blogs são úteis? São interessantes?

(Será que devo criar uma enquete para responder essa pergunta? 😉 )

Tragédia Anunciada


A dor dos familiares das vítimas do vôo 3054. (Fonte: Folha Online)Você acha que a catástrofe de ontem, que atingiu diretamente 200 pessoas em Congonhas e indiretamente cada um de nós foi uma fatalidade? Um azar? Vontade de Deus? Destino? Caso fortuito ou força maior?

Não foi. Não foi nada disso.

O acidente do com o vôo JJ 3054 da TAM, que levou à morte 162 passageiros, 18 funcionários da empresa e 6 tripulantes que estavam no Airbus A-320 da empresa e, ainda, pessoas que estavam nas imediações e no prédio da TAM contra o qual o avião se chocou foi uma tragédia anunciada.

O perigo de derrapagens era conhecido da Infraero e da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Em 24 de janeiro de 2007, o Ministério Público Federal impetrou ação civil pública contra a Anac e a Infraero. Leia o que o MPF pediu:

1) interdição da pista principal do Aeroporto Internacional de Congonhas com a interrupção de todas as operações de pouso e decolagem, até que a obra de recuperação geométrica de toda a pista, com a correção das declividades transversais e longitudinais, e a execução de uma nova capa asfáltica com grooving seja concluída.

2) realização das obras necessárias, conforme constatado pela Infraero e tudo o mais que for constatado em perícia a ser realizada de forma a garantir a segurança na utilização da pista principal do Aeroporto.

3) no remanejamento da escala dos vôos do Aeroporto de Congonhas para os Aeroportos de Guarulhos e de Viracopos com a conseqüente informação aos usuários/consumidores das alterações efetuadas.

4) determinação às rés que não ampliem o horário de funcionamento do aeroporto com relação ao uso da pista auxiliar para além das 23 horas, bem como o uso desta seja adequado as suas limitações e condições.

A razão do pedido? Leia trechos da ACP:

Até o presente momento foram pelos menos 4 (quatro) os incidentes ocorridos em razão de aquaplanagem. (p. 3).

O primeiro incidente havido em razão do desgaste da pista do Aeroporto e do acúmulo de água ocorreu em março de 2006 com relação a uma aeronave da empresa BRA, que não conseguiu frear e parou no canteiro, próximo à Av. dos Bandeirantes. (p. 3)

O segundo incidente aconteceu às 06h06min do dia 06 de outubro de 2006 com um Boeing-737/300 da empresa Gol que também derrapou na pista ainda molhada em razão de duas chuvas fracas havidas na madrugada. (p. 4)

Outra derrapagem (terceiro incidente) ocorreu no dia 19 de novembro de 2006 (domingo) por volta das 22h55min. Nessa noite, o Aeroporto Internacional de Congonhas fechou das 20h20min às 20h50min devido ao temporal que atingiu a cidade de São Paulo. (p. 6)

Mesmo após o serviço de re-texturização da pista, no dia 17 de janeiro de 2006, o quarto incidente ocorreu com a derrapagem de um Boeing-737 da Varig, às 17h48min. (p. 11)

Cumpre destacar que a própria ré Infraero admite as deficiências existentes na pista principal do Aeroporto de Congonhas, quais sejam nível de atrito insatisfatório, escoamento superficial da água prejudicado gerando lâmina d’água face à deficiência nas declividades transversais e longitudinais da pista. (p. 15)

O deslizamento das aeronaves é gravíssimo, pois retira do piloto o controle da aeronave, podendo ensejar acidentes pela impossibilidade de frenagem da mesma. Considerando, ainda, a inexistência de áreas de escape no aeroporto, conforme anteriormente explanado (fls. 62/64 e 126/127), a possibilidade de que uma dessas aeronaves deslize para fora do aeroporto atingindo uma das avenidas que o circundam é realmente palpável. (p. 15)

Saliente-se que a ré Anac também admite a existência dessas deficiências na pista do Aeroporto de Congonhas, uma vez que informou ter participado da decisão pela manutenção de interdição da pista e conseqüente suspensão das operações em condições de chuvas (…) (p. 16)

(…) mais uma vez pretendem os operadores do Aeroporto priorizar os interesses econômicos das companhias aéreas em detrimento da segurança dos passageiros, tripulantes e das pessoas que circulam no aeroporto e ao seu redor, tendo em vista que as novas discussões no setor são no sentido de que sejam retomadas as operações sem que a Recomendação do CENIPA de paralisação para verificação da existência ou não de lâmina d’água seja observada. (p. 17)

Saliente-se mais uma vez que mesmo com chuva fraca, porém constante, há a formação da lâmina de água, colocando em risco qualquer operação de pouso e arriscando a vida dos passageiros cuja aeronave pode deslizar e cair no meio das Avenidas que circundam o Aeroporto. (p. 17)

Quantas vidas mais serão colocadas em risco para que medidas efetivas e satisfatórias sejam tomadas? Quantos incidentes ainda terão que ocorrer para que as autoridades se conscientizem dos valores constitucionais máximos, dentre eles o direito à vida e à integridade física? (p. 24)

O inteiro teor da ACP está disponível na internet (em pdf). Recebi o link, junto com uma série de textos sobre o assunto, de um amigo promotor de justiça, há poucos minutos.

A ação traz copiadas diversas notícias de jornais, comprovando a existência do problema e a gravidade dos riscos. Também provou à exaustão que as autoridades envolvidas (Infraero e Anac) tinham conhecimento da situação alarmante da pista de Congonhas.

Então por que nada foi feito?!

Caramba, em que país estamos vivendo? O que está sendo feito das nossas vidas? Aos cuidados de quem estamos?

Onde está o governo federal, que nada faz?

Não falta dinheiro para lavar a mão de políticos, empreiteiras, sanguessugas e sabe-se lá quem. Não falta dinheiro para fazer caridade para Bolívia ou Argentina. Não falta dinheiro para executar obras superfaturadas para os Jogos Pan-americanos?

Cadê o dinheiro para reformar os aeroportos?!

Estamos num país desgovernado, literalmente. Entregues ao deus-dará, vamos levando enquanto o céu não desaba sobre nossas cabeças. Cordatos que somos, não reclamamos. Festejamos migalhas, pequenas (e caríssimas) obras, políticas assistencialistas. Enquanto isso, gente está morrendo.

O que aconteceu com a CPI do Apagão Aéreo?! Por que tanto medo de mexer na Infraero? Quais os podres que estão escondidos por lá?

Que lobby é esse que sacrifica vidas?! Como empresas aéreas e órgãos estatais podem mancomunar-se com tamanha irresponsabilidade, em total descaso com os milhares de seres humanos que, todos os dias, dependem dos aeroportos, ou estão situados

Quantas vidas serão perdidas antes que as autoridades acordem??