Há pessoas e pessoas.

Enquanto esperava atendimento numa loja, a televisão mostrava as enchentes no Rio de Janeiro. Não consegui ouvir os detalhes, não sei em que cidade aconteceu. O que vi foi uma mulher no topo de um telhado, desesperada pela água que subia rapidamente, cercava toda a casa e ameaçava arrastá-la. Junto da mulher, um cachorro. Talvez vira-lata. Certamente muito amado. Apesar das chances reais de morrer, a mulher preocupava-se com seu cachorro. Segurava-o. Queria salvá-lo. Não tinha nenhum bem material além da roupa do corpo. Havia apenas o cão.

Ao lado, um prédio bem mais alto. Duas pessoas, em vez de fingirem que nada estava acontecendo, tentaram ajudar a mulher. Arranjaram uma corda e conseguiram jogar-lhe uma ponta. Ela se amarrou e segurou a corda com uma das mãos; com o braço livre, agarrou o cachorro. Sabendo que essa era a única chance de sobrevivência para ambos, atirou-se ao rio que se formara e confiou naqueles dois homens que lhe davam uma esperança.

Segundos depois, a mulher apareceu na superfície da água. Mãos vazias. A correnteza foi mais forte e arrastou o cachorro para a morte certa. A mulher, chorando o tempo todo, foi içada pelos homens. Não sei o que ela dizia. Imagino que estava em choque, assustada, lamentando a perda das suas coisas e do amigo que com tanta determinação ela tentou salvar. Amigo que, talvez, até pudesse ter saído antes do pior momento (não dizem que os animais pressentem mudanças meteorológicas?), mas certamente não abandonaria a dona, por não ser da sua natureza.

Ao meu lado, durante toda a reportagem, um senhor – provavelmente um cidadão respeitável, ciente de suas obrigações, da mais elevada moral e de reputação ilibada – reclamava: “Não é possível! Ela está preocupada com um cachorro! Que ridículo, nessa situação ela preocupada com um bicho!”.

Eu me lembrava das minhas gatas. Se um incêndio tomasse meu apartamento, tenho certeza de que meu principal objetivo seria salvá-las. Se não conseguisse… bem, eu podia imaginar a dor daquela mulher.

O que não podia entender era o descaso daquele sujeito ao meu lado. Será que nunca amou um animal? Será que nunca sequer conviveu com alguém que amasse um bicho? Seria absolutamente incapaz de ao menos ter empatia pela mulher que tentava salvar seu cachorro?

Como alguém pode criticar uma pessoa que tenta salvar seu animal da morte certa? Que tipo de ser humano é esse, afinal?

Na televisão, as últimas cenas dos homens que resgataram a mulher. Não sei o que pensaram sobre o cachorro, mas sei que fizeram o que podiam naquela crise. Não se omitiram.

Diante de um sujeito como o da loja, dá vontade de torcer pela extinção da raça humana. Aí, lembro da mulher lutando pelo cachorro e dos homens tentando salvá-la e até posso tentar acreditar que isso aqui ainda tem conserto.

Mas bem que podia rolar uma extinção seletiva.

11 comentários on “Há pessoas e pessoas.

  1. SIM! Extinção seletiva!!! Campanha por essa ideia!

    Há mais de 6 anos, eu parei de assistir tv. Não vejo o noticiário e teria me acabado de chorar com o que vc relatou. Em um outro blog que acompanho, a moça tb citou o ocorrido e colocou um link.
    Não cliquei no link, já me basta o desespero de imaginar. Não quero ver.
    Se houvesse uma catástrofe aqui em casa, com certeza eu ia socorrer os bichos primeiro. Eu e meu marido já falamos disso várias vezes.
    Se estivermos juntos, já combinamos que pega o que e quem (3 cachorras + 1 casal de gatos) e se estivermos sozinhos, como nos organizar para não entrar em pânico e conseguir salvar a todos. Não tem escolha.

    Na cabeça do homem citado, a vida da mulher vale mais do que de quem ela tentou salvar. Mas de que adianta vivermos, se não somos capazes de proteger aqueles que amamos? É uma sensação de inutilidade gigante…
    Ele não é capaz de entender isso. E mesmo se ele passar por isso, é provável que não faça sentido para ele.
    se ele morrer, não deverá fazer falta.

  2. Depois de ver sem querer essa cena horrível eu jurei pra mim mesmo: enquanto estiver vivo, nunca mais verei telejornais na minha vida, essa imprensa marrom que adoram se deleitar com tragédias.

  3. Ai, Lu!!!
    Senti exatamente a mesma coisa… Não consigo sequer pensar na possibilidade de ter que abandonar o meu cachorro num caso desses… E tenho pena de gente que pensa que nem este senhor, porque os inocentes e maiores vítimas de situações trágicas assim são os bichos e as crianças pequenas.

    Quando se faz curso de brigada de incêndio, aprende-se que primeiro deve se salvar para poder ajudar aos outros, mas sobreviver com o fato de não se conseguir fazer nada por quem se ama é um fardo muito grande.

  4. Concordo, extinção seletiva, mas ia faltar espaço pra colocar tantas pessoas como este “senhor”. Eu tb tenho 04 gatos q tirei das ruas e 3 cachorros vira-latas e com certeza me preocuparia em salvá-los. O que sinto é q bicho tem salvação, mas gente não.

  5. Simplesmente perfeito, pensei o mesmo sobre o lance da extinção da raça humana.

  6. Querida Lu Monte,

    Eu sou a Ju Silveira, tb sofro do mal de ter um nome tão (lindo e) popular!

    Pesquisando na net sobre a FeLV, achei um link pro seu blog. Minha gatinha (e, infelizmente, por consequencia, meus outros 2 gatos) foi diagnosticada com a doença. A veterinária é a mesma, a incrível dra. Vanessa. Estou arrasada, mas foi muito bom ter encontrado seu blog. Espero que continue a atualizá-lo. Também já fui lá no Dia de Folga. Parabéns!

    Abraços gatófilos,
    JuS.

  7. @Juliana, obrigada pela visita. Estou devendo atualizações pro Cadê há tempos… espero remediar isso até o fim de maio, principalmente para poder contar mais sobre a felv.

    Lamento por seus gatinhos… eles estão em boas mãos e torço para que, apesar da doença, tenham uma vida longa e feliz. 🙂

  8. Uma reviravolta! Estávamos contando com a FeLV e ontem saiu o resultado do ELISA, não é fiv nem felv!!! Havíamos feito 1 hemograma e depois um outro pra tirar dúvidas, mas só o ELISA confirmou que não era… eu passei as 2 últimas semanas chorando de dó dos bichinhos e ontem chorei de alívio!!! Meu deus, escaparam dessa! Mas de qualquer forma, com outros protetores do BsbAnimal temos outros gatinhos com Felv e continuamos a batalhar por eles, que merecem nosso apoio mais que especial, o dobro de carinho e atenção!

    Por favor, continue com o Cadê, porque é mto legal!

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