Tenho dificuldades com rótulos, formas, encaixes. Parece que sempre algo fica sobrando ou faltando, como aquela roupa “tamanho único” da loja de departamentos que, no fim das contas, não fica realmente boa em ninguém.
E tem esse rótulo do feminismo, de ser feminista.
Durante a maior parte da minha vida, não tomei conhecimento do que fosse feminismo. Dito isso, meu sonho aos doze anos era fazer jornalismo na USP, morar num flat e ser uma profissional bem-sucedida, solteira e sem filhos – mas o que isso tem a ver com feminismo, não é mesmo?
Eu acreditava mesmo que o movimento feminista não tinha qualquer influência na minha vida.
Exceto pela simples razão de que, se não fosse pelo feminismo, eu sequer teria feito Direito. Talvez tivesse alguma profissão, mas jamais atuaria num reduto predominantemente masculino – não teria autorização para chegar perto dele. Eu teria a obrigação de ter filhos e marido e, se escolhesse outro caminho, seria taxada de “leviana” ou de “amargurada” – no mínimo. Não que esses reducionismos ofensivos não ocorram hoje; é só que não fazem a menor diferença na minha vida. Eu passo por cima e sigo minha vida normalmente – o que não seria possível sem o feminismo e sem as milhões de mulheres que adotam a mesma postura, certas de que não valem “menos” por adotarem comportamentos que fogem dos estereótipos.
Mas ainda tem a coisa dos rótulos. As mulheres que se declaravam feministas e que conheci nos primeiros anos da vida adulta, ou que tinham esse rótulo pregado nelas, não tinham nada a ver comigo. Eu simplesmente não as entendia, nem me identificava com elas. Não engolia o radicalismo, não compreendia as bandeiras, não achava racional que implicassem com outras mulheres só por gostarem de esmalte, maquiagem, saia.
Demorou pra eu descobrir que o feminismos, como qualquer outra coisa, é feito por pessoas e que cada uma traz seus conceitos, valores e opiniões – mas que eles não precisam ser gravados em pedra, tampouco são universais. Há uma única exceção, uma única verdade essencial, que merece ser gravada em pedra, sintetizada em uma frase que, por mais clichê que seja, representa o núcleo essencial do feminismo: a ideia de que a mulher, da mesma forma que o homem, pode ser e fazer o que quiser.
Sim, porque, deixadas todas as bandeiras de lado, todas as nuances, todas as alas, os partidos, as polêmicas, feminismo é “apenas isso”. A ideia de que mulheres têm tantos direitos quanto os homens. De que deveriam ser tão livres e tão respeitadas quanto eles. De que apenas a elas cabe escolher seus caminhos.
Faz poucos anos que entendi isso. Que ser feminista é, fundamentalmente, defender que mulheres podem ocupar os mesmos espaços que homens. É, também, reclamar de (e tentar mudar) comentários misóginos, cantadas grosseiras, preconceitos enraizados há gerações, piadinhas ofensivas, tratamentos degradantes, diferenças salariais.
Ser feminista não é abandonar maquiagens, saias, esmaltes, depilação – a menos que você queira e, se você quiser, tem o direito de fazê-lo. Porque, em essência, ser feminista é ter o direito de fazer o que se quer. É o direito de não ter filhos, ou de ter dois e trabalhar exclusivamente em casa, ou ter quatro e ainda trabalhar fora. É o direito de escolher qualquer carreira ou carreira nenhuma. É o direito de usar batom vermelho sem ouvir “parece puta” ou de assumir os cabelos grisalhos sem que pensem que você é “desleixada”. É o direito de não ser compelida a usar meia-calça no ambiente de trabalho, e de não ser assediada por trabalhar de saia e salto alto. É o direito de usar biquíni sim, independentemente do corpo. É o direito de beber e ficar bêbada, ou de ser abstêmia, ou de adorar sexo, ou de ficar virgem até o casamento.
Bem sei que “o meu tipo” de feminismo não agrada linhas radicais de feministas. Foram elas que, por muitos anos, convenceram-me de que eu não era feminista “de verdade”. Lamento que pensem assim, e reservo-me o direito de afirmar que estão erradas.
Afinal, estamos todas do mesmo lado. Do lado da igualdade.
Imagens: o filme Suffragette (as três primeiras) e algum post no FB.
Concordo em gênero, número e grau, Lu. Esse é praticamente o mesmo texto que escrevi esses dias para uma aluna que fazia piada de feministas. São os mesmos pensamentos que têm tomado minha cabeça nos últimos tempos.
Hoje em dia o movimento feminista é tomado pelo radicalismo, mas também acredito que a máxima seja só uma: merecemos os mesmos direitos e o mesmo respeito, homens e mulheres.
Nossa, Lu, me identifiquei tanto com esse texto! Eu acho que sempre topei com feministas radiciais e sempre acreditei que feminismo era simplesmente o oposto de machismo, com aquela ideia de que homem não presta e pronto. Há pouco tempo, pouco mesmo, uns 2 anos, tive a oportunidade de ter contato com pessoas que me mostraram o verdadeiro feminismo, baseado na simples liberdade da mulher de fazer o que quiser. O que quiser mesmo.
Daí, me reconheci feminista 🙂
Bjo!!!
Lembrei até de uma coisa! Quando rolava o papo sobre feminismo, eu logo dizia que era humanista – a favor do tratamento igualitário para todos, independentemente do gênero.
Ótimo texto. Me identifiquei muito, de verdade. E sim, estamos todas do mesmo lado. 🙂
Se eu soubesse escrever seria exatamente isso que eu publicaria <3 Parabéns por esse dom e por esse bom senso!
Meninas, obrigada pelos comentários! Sigamos nessa ideia doida de querer igualdade. 🙂