Há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante, uma leitora me perguntou o que eu faço com as coisas que não quero mais, aquelas das quais me desapego, as que considero que passaram ao status de tralha. Tem tanta coisa que eu poderia falar a respeito que acabava nem começando o texto. Agora, resolvi responder sem a pretensão de esgotar o tema e contando com a contribuição dos leitores na sessão de comentários.
A primeira providência é separar a tralha em 3 montes: o que vai direto pro lixo, o que pode ser vendido e o que pode ser dado ou doado.
Feita essa triagem, você pode começar a tomar as devidas providências.
Lixo
Etá velho, puído, quebrado, rasgado, sem par, vencido? Lixo, sem piedade. Para cada item, faça duas perguntas:
- Eu gostaria de ganhar esse treco nesse estado?
- Eu teria coragem de dar isso a algum amigo, nesse estado?
Se responder negativamente a uma dessas questões, jogue fora!
Mas… toda regra tem exceção e essa não é tão absoluta como a coloquei. Algumas coisas que mereceriam o lixo podem, na verdade, ser reaproveitadas por artesãos, algo que aprendi com a Senhora F. Roupas podem virar retalhos, esmaltes vencidos podem virar tinta, brincos desemparelhados podem virar decoração, papéis podem virar estampas. Assim, se você conhece algum artesão, ou associação de artesãos, converse com eles e veja se eles podem aproveitar algo. Mas converse antes, não chegue despejando o seu lixo.
Vender
Vendi muito pouco do meu desapego. Aqui, paciência é mesmo a chave: você precisará tirar fotos, fazer descrições e anunciar em sites como Mercado Livre ou Bom Negócio. Também pode criar um blog para divulgar seus itens, ou enviar emails aos amigos (com cópia oculta, por favor, e sem torrar o saco deles – não seja spammer). Pode organizar uma garage sale (dentro do seu apartamento mesmo) ou um bazar, de repente até com outros amigos que queiram vender os próprios desapegos.
Agora, seja realista: você não conseguirá recuperar seu “investimento”. Em regra, qualquer produto usado vale, no máximo, metade do preço do mesmo produto novo. No caso de produtos de informática, celulares e afins, essa relação tende a ser ainda pior.
Vender seus itens é uma forma de estender a validade deles, contribuir para o uso racional de recursos e fazer um dinheirinho, mas nem comece se você pensa que poderá “recuperar o prejuízo”. Você terá trabalho, responderá várias perguntas, terá de aguentar gente pechinchando e desvalorizando itens que podem até ainda ser queridos para você, precisará marcar encontros com desconhecidos ou frequentar a agência de correios.
Tem gente que nem acha tudo isso trabalhoso, que sente prazer em negociar as próprias coisas. Gente que tem tino pra vendas e aproveita até pra fazer amigos no processo. Se esse é o seu caso, vá em frente!
Na fase de desapegos inciada em 2010, limitei-me a vender livros e cds em sebos, nunca por mais de um quarto do preço que tinha pago por eles. Em outros tempos, vendi móveis e equipamentos eletrônicos usados por cerca de metade do valor, normalmente no Mercado Livre.
Dar/Doar
De longe, minha opção preferida. Se eu juntasse tudo que dei ou doei nos últimos quatro anos, encheria um caminhãozinho. Aqui, as opções são ilimitadas. Sempre tem gente precisando ou querendo os desapegos da gente. Vou dar alguns exemplos do que fiz com os meus.
Quando encarei o desafio dos #50desapegos, postei as fotos no flickr e várias pessoas se interessaram pelos itens. Uma amiga ficou com quase todos os cds, outra levou itens de artesanato e assim por diante.
Também participei de bazares de trocas entre amigas, uma forma muito divertida de destralhar e, de quebra, renovar o guarda-roupa. Alguns itens que consegui nesses bazares estão comigo até hoje e são muito queridos. É facinho organizar um: reúna as amigas num sábado à tarde com alguns comes e bebes e comece as trocas. Aposto que será bacana.
Quando destralhava alguns itens, pensava que Fulana ou Sicrana poderiam gostar deles. Eu perguntava pra amiga, explicava que era usado e tals e, se a destinatária se interessasse, ganhava de presente, sem troca. Tem gente que acha isso esquisito, e talvez seja mesmo necessário ter um certo grau de amizade… muita gente torce o nariz, na base do “ain, mas é usado”. Também ganhei coisas nesse mesmo esquema e sempre ficava contente: “pô, Fulana lembrou de mim e esse treco é realmente a minha cara, que legal”. Mas cada um é cada um, né.
Quando eu tinha faxineira, ela sempre se beneficiava quando o destralhamento passava pela cozinha: potes, pratos, copos, tudo em ótimo estado, claro. Coisas trincadas, quebradas, sem tampa etc. nem devem ser oferecidas, é lixo e pronto (vide o começo desse post).
Isso não entra bem no quesito “destralhamento”, mas vale a menção: quando reformei o apartamento, portas, bancadas e peças de louça dos banheiros (sem uso) foram doados para a Secretaria da Mulher do Governo do Distrito Federal (por dica da Senhora F, de novo). A Secretaria estava construindo abrigos para mulheres vítimas de violência doméstica e qualquer material de construção era bem-vindo. Para coisas específicas assim, vale a pena procurar órgão do governo ou associações civis, com a vantagem de que, nesse caso, você pode pedir que os beneficiados retirem as doações no local.
A propósito, a Secretaria da Mulher também aceita doações de roupas, brinquedos e itens de uso doméstico.
Falando em itens domésticos, potes de vidro com tampa de plástico podem ser doados para bancos de leite. No Distrito Federal, os bombeiros até pegam os potes em casa. Já doei vários.
Para o desapego de itens de informática, tem o Comitê para a Democratização da Informática, com unidades pelo Brasil todo. Já doei pra lá uma impressora que não puxava mais o papel, computadores e monitores (funcionando) e um netbook cuja bateria não pegava mais carga. Nesse caso, você pode doar coisas que não funcionam: eles remontam, reaproveitam peças e, inclusive, usam os equipamentos para dar aulas em cursos profissionalizantes de manutenção. Sempre perguntei antes de levar algo que não estivesse funcionando, e eles sempre aceitaram.
Roupas e calçados em geral, acabo doando para igrejas ou para a Comunhão Espírita. Essas instituições sempre atendem gente muito carente e podem reaproveitar bastante coisa (mas, pelamor, não custa repetir: não doe o que deveria ir pro lixo). A Comunhão Espírita de Brasília dá cursos profissionalizantes e aproveita cosméticos – quando parei de pintar o cabelo, ainda tinha uns três tubos de tinta fechados e doei pra lá.
Por fim, doei muitas coisas novas ou seminovas para a Salvando Vidas Protetores Independentes. A SVPI é um grupo de protetoras muito sérias que fazem o possível e o impossível para resgatar animais abandonados, feridos, maltratados, e conseguir lares amorosos para eles. De vez em quando, elas fazem bazares para arrecadar dinheiro pra bancar as contas altíssimas de veterinários. Doei roupas e acessórios sem uso algum, livros, cds e outras coisas pra esses bazares. Aconselho fortemente que você procure uma organização bacana na sua cidade, que faça um trabalho relevante e sério, não importa em que área: proteção animal, ambiental, auxílio a crianças carentes, a idosos etc. etc. etc. etc. Escolha uma causa que lhe seja cara e veja se os seus desapegos podem ajudar
Dá pra ver que as opções são muitas, não? O fato é que, quando você está destralhando, é mais fácil desapegar quando sabe que aquele item pode ser mais útil para outra pessoa do que é pra você. Isso sempre funcionou comigo. Já aconteceu de eu ter algo de que gostava muito, mas que estava subaproveitado na minha casa. Aí, alguma amiga via, gostava, e eu sabia que ela daria melhor uso que eu: pronto, desapego realizado. Ou eu pensava “pôxa, eu adoro esses livros, mas nunca mais vou lê-los… eles podem ser vendidos num bazar” e conseguia desapegar.
Essa é uma das razões pra eu vender tão pouca coisa do meu desapego: normalmente, prefiro fazer uma boa ação. Eu já gastei mesmo aquele dinheiro, já dispus dele. Por que não fazer o bem a outra pessoa passando o item adiante?