Oração da Mulher

Recebi hoje de manhã, da minha chefe. Só li depois do incidente do carro. Deu certinho com o meu dia! Se alguém souber quem escreveu, avise-me, para que eu possa dar os devidos créditos.

Senhor, me ajude a nunca desistir de ser mulher. Coloque um espelho no meio do meu caminho entre a lavanderia, o supermercado, o sapateiro, o colégio e a locadora. E que, ao me olhar, eu goste do que veja. Não deixe que eu passe uma semana sem usar um batom bem vermelho, uma bota bem alta ou um jeans bem justo. Proteja meus cachos do vento e os brincos e anéis dos olhares invejosos. Nunca deixe faltar na minha vida comédias românticas e boas depiladoras.

Deixe que eu feche os registros e as janelas. Mas, por favor, abra algumas portas. Nem que seja a do carro. Se eu estiver com vontade de chorar, faça com que eu chore um dilúvio. E que tenha saído de casa sem pintar o olho. Para cada dia de TPM, me dê uma vitrine com sapatos lindos. Já que eu nunca pedi milagres, faça que minhas celulites sejam ao menos discretinhas. Me dê saúde, tempo livre, silêncio. E que nunca falte O.B. na minha bolsa.

Nos engarrafamentos, faça com que eu ligue o rádio e esteja tocando minha música preferida. E que eu lembre da letra para cantar.

Dê forças para eu insistir que meus filhos comam salada, digam “por favor” e “obrigado”, limpem a boca no guardanapo, façam as pazes e puxem a descarga. Cegue meus olhos para as sujeiras nos cantos e os brinquedos no meio da sala – eles vão estar sempre lá, isso eu já vi.

Ajude para que eu chegue do trabalho e ainda consiga brincar, ver desenho, contar história, fazer cosquinha, pintar dentro da linha preta. Ou fazer só uma dessas coisas. E se eu não tiver a menor condição de me manter em pé, faça com que meu filho chegue dormindo da escola.

Em dias difíceis, me dê persistência para seguir na dieta.

Faça com que eu não esqueça de ligar para os meus pais e meus amigos. Dê firmeza para os seios e para a hora do castigo.

Ajude para que o meu trabalho não seja bom somente no dia do pagamento.

Proteja minhas poucas horas de sono e não me julgue mal caso eu não acorde no meio da noite para cobrir meus filhos.

Não deixe que a minha testa fique tão franzida a ponto de parecer uma saia plissada. E eu, uma louca estressada.

Faça com que o sol seja meu personal trainer, meu complexo de vitaminas, meu carregador de bateria – mas quando eu pedir um diazinha de chuva, não pergunte por quê. Para cada batata quente no trabalho, me dê um café recém-passado. Entenda quando eu rezo para cancelarem uma reunião – não é gastar reza à toa, pode ter certeza.

No meio de tudo isso, faça com que eu ache tempo para virar namorada de novo, ir no cinema, jantar fora, beijar na boca, dormir abraçadinha.

Ilumine o espelho do banheiro e proteja minhas pinças, meus cremes e segredos. Ajude a não faltar gasolina, não furar o pneu, não arranhar a calota. Afaste os motoqueiros do meu retrovisor.

Senhor, por pior que seja o meu dia, faça com que ele termine, e não eu.

Sai de mim!

A sexta-feira treze resolveu passar por aqui com uma semana de atraso.

Primeiro, acordo passando mal até dizer chega. Princípio de desidratação, provavelmente. Você sabe o que acontece com as crianças quando começam a desidratar, não sabe? Pois é, eu tava igualzinha – só que sem mamãe por perto pra cuidar de mim.

Quando consigo melhorar e vou me arrumar pro trabalho, já pensando na saída da noite, descubro que “aquela” blusa preta que eu adoro mas, por obra do destino, ficou anos encalhada, já não tem mais nada a ver. Não a adoro mais. Coisas da vida, sabe como é.

Procuro uma segunda blusa. Linda, e ainda é a minha cara. Quase saindo, percebo que ela está descosturada. Ótimo.

Já atrasada, desço às pressas pra garagem. Entro no carro e ligo o som, como sempre. Só que não funciona. Legal, não falta acontecer mais nada. Não pode ficar pior.

Ah, pode. Sempre pode.

O som não funcionou porque deixei os faróis ligados ontem. Bateria descarregada.

E cá estou eu, atrasadíssima para o trabalho, esperando o atendimento 24 horas do seguro me socorrer.

Xô, urucubaca!

Atualização
– Esqueci de contar que perdi a hora do salão por causa da ziguizira. Unhas em estado lamentável.
– Tenta passar um endereço de Brasília para um suporte de São Paulo, que tem de retransmitir os dados para o suporte local. Tenta, e vê o telefone-sem-fio que vira.

Mudança de hábito

Meu novo cabelo implica readaptação em alguns aspectos.

O primeiro deles foi quanto ao batom. O rosa, não tem jeito, só fica legal mesmo em loiras. Ou em crianças. Como visualmente já não sou nem uma coisa nem outra, está vetado. Pena, porque tenho um liiiiindo, que ficará encalhado até ressecar.

O segundo quesito é meu terninho vermelho. Resolvi usá-lo ontem. Parecia um lápis-de-cor: o corpo vermelho, aquela partezinha da madeira descascada (meu rosto) branca e a ponta, novamente, vermelha. Terrível, mesmo.