Sem-jeito manda lembranças

Eu sou desastrada, todo mundo sabe. Desastrada, desengonçada, apressada, estabanada. Lógico que isso me gera muitos machucados, manchas roxas e esfolados pelo corpo.

O acidente mais recente, no entanto, foi demais até para os meus padrões. Um exagero do mau jeito e da desatenção. Faz dez minutos que sou a infeliz proprietária de um talho de mais de cinco centímetros logo acima do joelho. Está doendo pra diabo e não pára de sangrar. Está inchando. Está ardendo.

Não, não caí, nem me cortei com faca ou tesoura. Náh. Isso seria trivial.

Eu fiz o talho na bandeja da gravadora de cedê. Bem aqui, sentadinha em frente ao computador. Num lugar aparentemente inofensivo. Sozinha. Não posso pôr a culpa em ninguém.

Pelo menos a bendita gravadora continua funcionando.

Aí é demais!

Sabe, a pior coisa de Brasília no mês de julho não é a seca, que faz o nariz sangrar, os lábios racharem e a pressão arterial despencar.

Também não é a paisagem, com cara de deserto-que-um-dia-já-foi-verde.

Tampouco são as crianças lotando shoppings e infernizando consumistas como eu, que visitam esses templos em busca de paz espiritual no fim do dia e deparam-se com gritinhos, birras e correria.

Nem a saudade que bate dos amigos que estão aproveitando as férias em outros cantos.

O pior de Brasília, nesta época do ano, são os turistas absolutamente inconvenientes que brotam por aqui.

Realiza a cena: Esplanada dos Ministérios, hora de maior movimento. Um turista dirige b e m d e v a g a r z i n h o pelo Eixo Monumental, enquanto seu companheiro aproveita para fotografar o Congresso Nacional de dentro do carro mesmo. Um motorista local quase enfia a frente do carro na traseira do sossegado excursionista.

Olha essa outra: Praça dos Três Poderes, duas horas da tarde. Uma simpática senhora simplesmente PÁRA o carro NO MEIO da rua para, adivinha só?, isso mesmo, tirar fotos. Ela não parou na pista mais à direita que, aliás, já estava quase tomada pelos ônibus de turismo. Ela parou NO MEIO da rua. Visualizou?

As sortudas pessoas que estão de férias na Capital do Brasil parecem não perceber que aquilo que para elas é ponto turístico, para outras milhares não-tão-sortudas é local de trabalho e via arterial.

E, antes que me joguem tomates podres, não estou falando mal de todos os turistas, apenas dos “absolutamente inconvenientes”. Você não é um deles.

Urubu

Tem gente que se diverte intensamente quando pode dar uma má notícia. O porteiro do meu prédio, por exemplo.

– A senhora está indo fazer caminhada?

Não, criatura, eu vou a uma festa de gala às dez da manhã, vestindo short e camiseta de alça.

– Estou.

– Ah, tá. Quando voltar, passa na portaria que tem correspondência.

– Tá bom.

Já tinha colocado o pé pra fora do prédio, quando ouço o porteiro, novamente:

– Mas não é boa notícia, viu?

Claro que pensei o pior: um telegrama, um porteiro bisbilhoteiro, alguém morreu, é isso que ele vai me dizer!

– O quê?!

Passaram-se frações de segundo. Um sorriso debochado foi surgindo na cara do engraçadinho.

– É multa.

Informa o dito cujo, todo contente, como se dissesse que ganhei na loteria.

Eu, contendo-me pra não xingar o cidadão, só consegui retrucar:

– Sabe, esse seu comentário era completamente dispensável.