Ou felv, para os íntimos.
Começando do começo. Em setembro de 2009, cismei que a Mel tinha felv. Trata-se de um retrovírus parente do que causa a FIV (aids felina) e do HIV (causador da aids em humanos). FeLV é a sigla para feline leukemia virus, eis que esse vírus em particular leva seus portadores a desenvolverem leucemia (câncer das células sanguíneas) e, consequentemente, tem-se um quadro de imunodeficiência. Toma-se o nome do vírus como nome da doença frequentemente, a título de simplificação.
Minhas suspeitas pareciam fundadas na época. Mel tinha sofrido um bocado com um fungo que quase não fez nada a Cacau e, poucas semanas depois, parecia sucumbir a outro ataque de fungos (que depois provou ser alergia alimentar). Além disso, estava magrela demais. Claro, eu achava as suspeitas fundadas. A veterinária achava que era exagero.
Fizemos exame de sangue e teste para FIV/FeLV (o teste é o Elisa, o mesmo aplicado para detectar o HIV). O teste deu positivo para felv. O exame de sangue não apresentou alterações. Partimos, então, para um segundo teste, a imunofluorescência, realizado apenas no Rio de Janeiro. Dessa vez, testamos Mel e Cacau. Ambos os resultados foram negativos.
Respirei aliviada, claro. Ignorei solenemente um dado importante nessa coisa toda: o Elisa, embora forneça falsos positivos de vez em quando, detecta a doença bem no início. A imunofluorescência nunca dá falsos positivos, mas só é capaz de detectar o vírus quando ele já se instalou na medula – ou seja, quando a felv já evoluiu. Sim, eu sabia disso, mas fiquei satisfeita com o resultado negativo. Meus medos eram mesmo infundados, eu estava sendo neurótica e tudo estava bem.
Corta para o segundo ato.
Em 11 de julho desse ano, Cacau começou a mancar de um minuto para o outro, literalmente. Mancou da pata traseira (direita, acho), vomitou, escondeu-se e começou a chorar. Claro que era um domingo, essas coisas só acontecem nos fins-de-semana. Na segunda-feira de manhã, levei-a ao consultório. Ela tinha comido (depois de mais de 12 horas em jejum) e parecia melhor. Eu mesma tinha examinado a pata e não estava quebrada, nem doía se eu a apertasse. Imaginei que mancava por alguma dor reflexa, talvez um problema digestivo. Eu estava assustada, preocupada, mas não esperava realmente que fosse nada sério. Afinal, a Cacau sempre tinha sido forte e saudável.
Então, veio a primeira bomba: “Isso tem cara de felv”, disse a veterinária.
Veja, minha veterinária é excelente – a melhor de Brasília para cuidar de gatos. Atende mais de 700 pacientes, tem pós-graduação e mestrado em felinos. Ou seja, já viu muita coisa. Uma coisa que ela não faz é alarmar os clientes. Como assim, ela olhou pra minha gata e disse que era felv?
Fizemos os exames de praxe. Positivo para felv.
A amostra de sangue, segundo o laboratório, estava deteriorada demais para realizar-se o hemograma. Colhemos outra.
Bem, fato é que a primeira amostra estava boa. O sangue da Cacau é que estava deteriorado. Todas as células mal-formadas. Todas as contagens fora das faixas saudáveis. Tudo imprestável. Era meio assombroso que, dentro desse quadro, a Cacau parecesse tão bem.
Claro que aí comecei a juntar algumas peças que não me pareciam nada de mais. Cacau, que sempre fôra glutona, há alguns meses comia menos. Atribuí à mudança na marca da ração. Ela também brincava menos, mas tinha feito dois anos e achei que as brincadeiras de filhote estavam ficando para trás.
Gatos disfarçam bem os sintomas. Mesmo um dono atento pode passar batido. Geralmente, só percebemos que há algo de errado quando o gato já está muito mal. Levando-se tudo isso em conta, tive sorte por notar a dor aguda na pata de trás e por ter uma veterinária com excelente olho clínico.
Testamos a Mel. Ela também é portadora, mas assintomática. Um gato pode ter o vírus e passar anos e anos sem manifestar a doença (o mesmo vale para a fiv).
É isso. Há pouco mais de dois meses, sei que tenho uma gata portadora assintomática e outra sintomática. Cacau toma remédios desde então. Está ótima, alegre, cheia de apetite, brincalhona e carinhosa, mas tomará remédios durante toda a vida, que será bem mais curta do que deveria. Eventualmente, ela ficará debilitada demais e talvez eu tenha de abreviar-lhe o sofrimento.
Até lá, vou curtindo minha gatinha ronronante e fazendo o que posso para deixá-la feliz. E vou aproveitar o Cadê para compartilhar informações sobre a tal da felv. Afinal, o Cadê também é utilidade pública.