Afinal de contas, pra quê?

De repente, você percebe que não tem mais paciência pra coisinhas como paqueras e jogos de conquista. Você não sabe ao certo em que momento deixou de gostar dos tais joguinhos, mas o fato é que já deu. Não quer mais brincar, e ponto final.

Talvez seja a tal da auto-suficiência a grande responsável. Você se sente tão bem sozinha que o impede que saia por aí procurando companhia. Acha que não compensa o trabalho.

Você nem sente inveja dos casais apaixonados beijando-se pelo shopping. É verdade, até houve um tempo em que essa cena arrancaria tristes suspiros. Faz anos, no entanto, que o ceticismo é tamanho que você já enxerga o pacote completo: brigas, ciúmes, quem-é-essa-sirigaita-ligando-às-onze-horas-da-noite-de-sexta-feira, dificuldades para conciliar o namoro com os mil afazeres do cotidiano, alterações de humor, dependência emocional e por aí afora. Sua vida é tão mais tranqüila sem tudo isso!

Por outro lado – ou talvez exatamente por isso – a fase inicial do relacionamento é absolutamente desmotivadora. O primeiro encontro: com que roupa que eu vou?, será que ele vai gostar de mim?, será que a conversa vai fluir?, e se ele for um psicopata? Se o beijo for bom você está no lucro, mas e se for in-su-por-tá-vel? Tudo corre bem na primeira saída, e os encontros se sucedem – e aí, quando já existe algum tipo de compromisso? Qual é a hora certa para transar? Como me comporto? Será que ele vai me achar uma ninfomaníaca, ou será que vai pensar que sou puritana demais? E o dia seguinte?

Se o relacionamento deslanchar, passa-se a outra série de dúvidas: para onde viajar nas férias? Como conciliar as datas comemorativas com as famílias de ambos? Morar junto? Casar? Filhos? Quantos? E o dinheiro?

Bem pesadas e bem medidas todas as questões, fica difícil vencer a preguiça e aceitar o convite daquele ilustre desconhecido para sair no sábado à noite. Simplesmente, não vale a pena. Melhor ficar em casa, quietinha, sem encrencas. A vida é sua, só sua, e ninguém dita as regras.

E você assiste a horas de Sex and the City sem um pingo de ressentimento, absolutamente feliz e tranqüila.

A um ex-amigo

Nós, que conhecíamos tão bem um ao outro, somos hoje perfeitos estranhos. Horas poderiam ser gastas falando sobre tudo que nos aconteceu, e não bastaria. Eu poderia tecer metáforas, digressões e teorias, e ainda assim não seria suficiente. Estamos a léguas de distância um do outro – e, paradoxalmente, a poucos minutos.

Tanto tempo eu precisei para entender o que você me disse naquele dia. Foi preciso ir tão longe para entender teu olhar, naquela tarde, quando retruquei com uma verdade em forma de piada. Tua resposta veio nos olhos, tão contraditória que simplesmente não entendi. Somente quando um outro alguém me disse o mesmo, pude perceber como passei longe da tua verdade naquele momento, e como devo ter te ofendido com a tal piada.

Cheguei ao mesmo ponto que você, e não queria estar aqui. Preferiria um mundo menos cinza, menos irônico e autodefensivo. Só que não é uma questão de escolha. Nunca foi.

Hoje, caminhamos na mesma direção, solitários. Juntos, mas afastados. Não poderia ser de outro modo. Jamais seria.

E penso em estender-te a mão de vez em quando, mas é impossível. Sou como você, agora.

Mesmo caminho. Estradas diversas.

Adeus, ou até qualquer dia.

Escrito em setembro de 2005.

Lembra?

Você se lembra? Existiu um tempo em que tudo era simples.

Quando você caía, sempre havia um adulto amoroso por perto. O carinho acalmava o choro e o mercúrio-cromo curava o esfolado. Hoje, você ainda cai e chora, só que não há mais colo e as feridas não cicatrizam.

Você se lembra? Antigamente, partilhava os brinquedos por duas horas com o vizinho e ele se tornava seu melhor amigo. Hoje, partilha anos de convivência antes de atribuir a alguém esse título; às vezes, nem assim.

Lembra quando contava os seus segredos para a coleguinha da escola? Você foi aprendendo, à custa de muitas decepções, que as pessoas não são confiáveis. Descobriu que elas exploram as suas fraquezas e traem os seus segredos. Dissimulam. Trapaceiam. Mentem.

Você também descobriu que ninguém gosta dos fracos. E isso lhe deu força. Descobriu que os outros se aproveitam de quem fala o que sente. Isso incentivou-lhe a frieza.

Lembra quando você corria para o telefone e desabafava com uma amiga querida? Hoje, você pega o telefone e não disca, porque sabe que ela também tem problemas e não quer aborrecê-la com os seus. Ou, simplesmente, porque as crianças estão dormindo e o barulho da ligação as acordaria.

Lembra quando chorava no primeiro ombro que se oferecia? Hoje, é difícil chorar até quando ninguém está vendo.

Lembra que costumava achar que as suas aflições eram as maiores do mundo? Hoje, você racionaliza: tem família, amigos, casa, emprego, dinheiro. Seus dramas são tão insignificantes. Na verdade, são mesmo inexistentes. Tudo não passa de bobagem. Você só quer chamar a atenção.

Você se lembra de quando não se sentia tão só no mundo?