A solidão, dizem, é uma tristeza, um desamparo, um pedaço que falta. Em alguns caso, é um vício. Não como o vício em cocaína ou álcool. Está mais para o vício em cigarro. Você sabe que deveria parar, que talvez, quem sabe, no futuro isso pode ser prejudicial. No momento, porém, é tão prazeroso que você não quer parar. Até poderia, conseguiria, mas não quer.
Claro, todos os vícios trazem efeitos colaterais.
Você se torna dependente. Agarra-se àquilo como a uma tábua de salvação. A mera perspectiva de ficar sem o objeto do vício traz angústia. O fumante não precisa estar 24 horas por dia com um cigarro na boca; mas precisa tê-lo por perto, ao alcance da mão. O adicto em solição pode sair com amigos, ter uma turma, festejar, badalar. Só precisa saber-se só.
É necessário que chegue numa casa silenciosa, abra a geladeira sabendo o que há dentro, aviste a cama exatamente como a deixou. É preciso que o chinelo esteja no meio da sala, a roupa do dia anterior espalhada no sofá, o computador desligado, a louça na pia. É absolutamente imprescindível que cada coisa esteja como ele deixou antes de sair.
Mais fundamental ainda é que seu coração esteja como sempre esteve: desocupado. Não vazio, não. Apenas desocupado. Como um apartamento mobiliado, desses que são alugados por temporada mas nunca se tornam um lar.
Eventualmente, algum inquilino deseja prolongar a estada. Outro faz uma proposta de compra. O solitário não aceita. Sabe que dará um jeito de despejar o inquilino, ou cancelará o contrato de compra e venda no último minuto.
Um dos efeitos colaterais do vício em solidão é a eventual melancolia. De tempos em tempos, ela aflora e o solitário quer virar plural. Mas passa logo.
Volta e meia, o solitário é cobrado por quem absolutamente não entende o vício. “Mas você não quer casar? Ter família? Filhos?”. É como perguntar ao fumante: “mas você não quer viver mais?”
O vício é tão bom…
(Escrito no começo de 2008, provavelmente. Tenho o hábito de datar tudo que escrevo, mas passei batido aqui.)
Pô,em 2008 Luciana ?!
Taí uma coisa que valeu a pena ler nesses últimos dias.Queria ter escrito essa crônica.
@Rodrigo, tenho muita coisa escrita há séculos – a maior parte fica bem escondida. Obrigada pelo elogio.
Excelente post!!!
Acho que finalmente entendi o que acontece comigo as vezes … creio que o meu caso seja um pouco mais intenso …. rsrsrs
MUITO bom o texto.
Oi Lu, cheguei aqui através do blog da Rê Pinheiro… adorei seu texto.. se parece comigo, só que há uns 6 ou 7 anos atrás… A solidão já foi um dos meus maiores prazeres mas com o tempo isso foi mudando e hoje tenho um pouco de medo da solidão. Filha única, com um amor alguns anos mais velho e sem filhos, penso que pode ser que um dia eu me veja só demais… Atualmente a solidão é um prazer que desfruto nas tardes em que estou em casa sozinha, na madrugada quando meu amore está dormindo e fifo zanzando pela casa com meus projetos malucos e quando passo uns dias sozinha em casa porque o ser amado viajou… é bom estar junto e poder curtir essa solidão quando eu quero… é melhor do que antes. Essa minha fase de vício em solidão passou, mas sempre terei boas lembranças dela.. é uma sensação indescritível. Uma dica: se um dia resolver ser plural, que seja com alguém que suporta que vc seja única quando quiser e precisar.
Obrigada pelo lindo comentário, Marina, e seja bem-vinda.
Lu, sem me conhecer você me descreveu de modo exato. Como todo vício, a solidão traz prazer. Mas há nesse prazer um travo amargo — mas não tão amargo a ponto de fazer a gente mudar.
O Paulinho da Viola canta que a solidão é lava que cobre tudo, que ela tem dentes de chumbo etc. São figuras poéticas interessantes, mas teu texto é melhor. Deveria virar letra de música.
@marcelo, muito obrigada pelo elogio! 🙂