Meus quatro ou cinco fiéis leitores já devem estar cansados de saber o quanto sou apaixonada por Legião Urbana. Se eu fizesse uma trilha sonora para minha vida ou para meus estados de espírito, a imensa maioria das canções seriam da banda, e outras tantas viriam da (curta) carreira solo do Renato Russo.
O álbum V sempre foi meu preferido, por conter várias das músicas com que mais me identifico: no V estão O Teatro dos Vampiros e Sereníssima que, para bem ou para mal, me descrevem tão bem. Metal contra as nuvens, com todas as suas oscilações harmônicas e poéticas, e A Montanha Mágica, depressiva do primeiro ao último acorde, também me trazem muitas lembranças – mais do que eu gostaria. Para completar, L âge d or, cínica e pragmática, faz um contraponto interessante às românticas Vento no litoral e O mundo anda tão complicado – a primeira ruma à solidão profunda e a segunda é o retrato de um amor bem-sucedido. A Ordem dos Templários é a música instrumental mais bela dentre as gravadas pela banda (você pode ouvi-la aqui) e Love Song, além de bonita, vale pela curiosidade histórica.
Acontece que outro dia, sei lá por que, decidi ouvir um cedê de que raramente me lembro, O Descobrimento do Brasil. Engraçado… de repente, percebi que Descobrimento tem muito mais a ver com meu atual momento do que V.
Descobrimento é um disco muito mais leve que V – mais pesado que este só mesmo o quase-insuportável-de-tão-depressivo A Tempestade. Leve, mas longe de ser bobo. Descobrimento revela a que veio logo no título. Menos que do Brasil, no entanto, trata-se do descobrimento de si mesmo – do autodescobrimento pelo qual passava Renato Russo na época em que o álbum foi gravado e pelo qual todos nós passamos de vez em quando.
O álbum surge quando Renato já tinha iniciado o tratamento para livrar-se da dependência química e mostrava-se otimista quanto ao seu sucesso. Ainda assim, as letras oscilam entre tristeza e alegria, encontros e despedidas. É como se, para seguir em frente, fosse necessário deixar muitas coisas para trás, e não se pudesse fazer isso sem uma boa dose de nostalgia. Descobrimento é um álbum com notas de esperança, mas permeado por tristeza e saudosismo.
A primeira música, Vinte e nove, resume em poucos versos o que foi dito acima. Fala de perdas, morte e prisão, mas termina com uma mensagem otimista – “e aos vinte e nove, com o retorno de Saturno decidi começar a viver”. Deixa claro que seguir em frente exige uma firme decisão, que pode ser muito dolorosa, mas traz recompensas – “e tive vinte e nove amigos outra vez”.
A fonte descreve o difícil e solitário caminho a ser percorrido para chegar-se a um novo estágio – “o que há de errado comigo?, não consigo encontrar abrigo”. Sai de mim vem na seqüência, ratificando a resolução de seguir em frente. Perfeição é irônica e cínica a começar do título, mas termina com uma tentativa de esperança, apesar de tudo – “vem chegando a primavera, nosso futuro recomeça”.
A música que dá nome ao álbum é plena de um doce romantismo e enaltece as coisas simples da vida não só na sua letra, mas também na harmonia, quase totalmente construída sobre dois acordes.
Os barcos é a música que deixa mais claro o sentimento de abandono que permeia todo o disco – sem qualquer nota de otimismo. Os anjos traz uma enorme carga de descrença na humanidade, mas ao falar “hoje não dá, vou consertar a minha asa quebrada e descansar” abre caminho para a possibilidade de que o dia seguinte seja melhor, de que seja possível brincar de novo amanhã.
Vamos fazer um filme sintetiza todas as idéias do Descobrimento. É minha música favorita do disco e descreve muito bem as razões pelas quais Descobrimento tem marcado meu último mês. É profundamente nostálgica desde o primeiro verso – “achei um 3×4 teu e não quis acreditar que tinha sido há tanto tempo atrás” – sem ser depressiva. Proclama que “viver é foda, morrer é difícil, te ver é uma necessidade”, mas não é entreguista: “sem essa de que ‘estou sozinho’, somos muito mais que isso”. É um pedido aflito de atenção – “eu preciso e quero ter carinho, liberdade e respeito” que consegue, no entanto, escapar ao desespero – “e no meio de uma depressão te ver e ter beleza e fantasia”.
Embora seja mais triste que a música precedente, Um dia perfeito preserva as esperanças e retoma a idéia da música-título – “são as pequenas coisas que valem mais”. Traz uma das mais belas estrofes de Renato:
Não vou deixar me embrutecer,
eu acredito nos meus ideais.
Podem até maltratar meu coração
que meu espírito ninguém vai conseguir quebrar
Giz é a despedida conformada, o adeus de quem sente uma falta tremenda de alguém, mas segue adiante por saber que é isso que tem de ser feito. “Acho que estou gostando de alguém e é de ti que não me esquecerei”. Renato Russo via essa música como sua obra-prima.
Love in the afternoon trata da morte, a ausência definitiva. Não é uma metáfora – a música foi feita para um amigo que morreu subitamente, baleado ao sair de uma boate. Num sentido figurativo, entretanto, pode ser lida como “o que é bom dura pouco”. É triste da primeira à última palavra, mas belíssima.
La nuova giuventú mostra como uma separação pode vir seguida sensação de vazio e desamparo – “com você por perto, eu gostava mais de mim”. É difícil imaginar-se sem alguém que, por tanto tempo, esteve ao lado. Parece que fica faltando um pedaço.
Por fim, Só por hoje fecha o disco tentando manter a esperança apesar das dores – “posso até ficar triste se eu quiser, é só por hoje, ao menos isso eu aprendi”. É uma mensagem otimista de um modo um tanto reverso – “viver é uma dádiva fatal; no fim das contas ninguém sai vivo daqui, mas vamos com calma”. É a luz no fim de um túnel muito, muito comprido, labiríntico e incerto.
“Aceitar o que passou e o que virá” é o ideal de uma vida em paz e, quem sabe, feliz. Chorar pelo que se perdeu é necessário, como catarse, mas viver no passado dói e impede que se veja o que o presente traz de bom – e sempre há coisas boas por vir, ainda que às vezes seja tão difícil acreditar nisso.
Infinitamente nostálgica como sou, tenho a forte tendência a ficar enraizada no passado, olhando para trás, para o que perdi, para outras terras, outros sentimentos e outros amigos que, apesar de todos os meus desejos, simplesmente não voltam mais. Recordações de um tempo que acabou defintiivamente. Às vezes, vejo-me às voltas também com a nostalgia pelo que não vivi, invadida pela saudade do que nunca tive. Descobrimento traduz todos esses sentimentos com uma doçura ímpar, mas também deixa bastante claro que não se pode ficar arraigado ao que passou, sob pena de deixar de viver.
É preciso cultivar a melancolia, de vez em quando. É saudável e faz parte do crescimento pessoal. Esse cultivo, no entanto, deve voltar-se a um processo de (re)descoberta interior, revertendo em aprendizado e forças para tocar a vida, com a certeza de que os bons momentos vividos não serão os únicos de toda uma existência, mas apenas os primeiros.
eu sou fã do DOIS….escuto direto…beijos e bom finde pra ti…
Olá!!!
Gosto de Legião, mas ainda não achei a banda cujos discos me definam… Peguei algumas músicas para ouvir pelo que você falou delas…
Depois te conto o que eu achei.
Bom fim de semana!!!
Beijos
Eu estava brechando o weblog do Marcelo Glacial e achei seu comentário…Vim espiar aqui seu espaço (muito legal) e aproveito para comentar que R. Russo é pura sensibilidade…É poesia. Maravilhoso! Eu “viajo” no tempo com TEATRO DOS VAMPIROS.
;*
Me desculpa por sumir, a faculdade esta pegando todo o meu tempo livre :((
Beijos
E eu que amo tanto a banda, que amo tanto o Renato… Deixo de fazer qualquer coisa para ouví-lo, vê-lo.
Logo que comecei a fazer o Toda Menina, era bem no período daquela exposição no CCBB, fiz um texto enoooooorme, bem no comecinho do blog… e quase fui morar lá no Centro Cultural.
Ai, chega… sempre que falo sobre R. Russo, acabo extrapolando o tempo… 😉
Beijo, Dona Lu!
Legião manda! ;~
A-MEI o post. Estou precisando fazer um “Descobrimento da Sabrina” nos últimos tempos…
Um ESPETACULO esse seu post !!! Eu sempre me prendi muito ao ‘As quatro estações’ e ao ‘Dois’, mas de uns tempos pra cá estou descobrindo o ‘V’ aos poucos. Só “Teatro dos Vampiros” já arrebenta (tudo a ver com meu passado recente, aliás)
Infelizmente, graças à minha pouca idade, não peguei a fase dos lançamentos dos CDs da Legião. Comecei a ouvi-los com o “Mais do Mesmo”, e dali pra ir atrás de outras músicas, descobrir coincidências, às vezes assustadoras, de tão perfeitas, foi um pulo. Particularmente, acho a Legião, em termos musiciais, mediana; as melodias são fracas, e até repetitivas. Mas, em contrapartida, as letras do Renato Russo, equilibram a balança, e fazem desta uma das melhores bandas que o Brasil já viu.
Minhas favoritas? “Pais e filhos” e “O mundo anda tão complicado”.
Beijos, e parabéns pelo (ótimo) texto!
:(engraãdo…tb adorolegiaumurbanae percebi qnaumsabia quasenada sobre esse txt…hum…bjus:d
Eu sempre fui fã dos dois primeiros, mas por causa do marido acabei descobrindo coisas que me tocam muito nos outros. Mas aquele em italiano é meu xodó…
Realmente depois desse post aqui ninguém duvida o quando vc gosta de Legião. Mas Brasília é fogo também, né? é estranho conhecer gente que nasceu aqui, tem bom gosto e não gosta de nenhuma música da legião.
E você disse tanta tanta coisa nesse post… eu não gosto de ser nostálgica, eu fecho portas com força, mas a melancolia é algo que acho saudável, uma pontinha de tristeza senão não se faz um samba não.
Eu gosto muito do Descobrimento do Brasil, “giz” é uma coisa que me deixa de joelhos. Mas os primeiros, principalmente o “dois” é o que mais me toca.
No dia em que o tempestade foi lançado eu corri para comprá-lo, ouvi uma vez só e dei o cd, nunca mais consegui, dói ouvir aquelas músicas. Mas com certeza o Descobrimento é o disco mais alegre, o mais tarde de domingo e é Legião também assim como todos os outros. Bjo menina.
Lu:d
Tô tão feliz! Cliquei no link de seu blog no Camamesabanho e consegui entrar no Dia de folga aqui do trabalho!
Agora posso voltar a ser assídua!!!
Quem disse que são só 5 ou 6 leitores assíduos?!
Pode contar isso direito.
Legião?! Tô com a Kika: o de músicas em italiano.
Adoro seu blog.
\:d/
Amei teu post, Lu! Gosto muito do álbum V, é perfeito!!
Beijos!
Engraçado voce postar isso. O “V” sempre foi o meu album preferido disparado, apesar da minha música preferida, “Eu era um lobsomen Juvenil”, estar no albúm que eu menos gosto, “Quatro Estações” eu considero o “Descobrimento do Brasil” como o album perfeito, pois TODAS as músicas são boas.
P.S.: Eeeei … “A Tempestade” é bem legal … 😛
Comentando pela terceira vez, vamos ver se dessa vez dá certo!
Bom, falei sobre giz, o verso lindo “eu rabisco o sol que a chuva apagou”.
SObre os anjos também.
Na verdade, você escreveu muito bem e mostrou seus sentimentos ali, então, para que eu possa falar, seria preciso fazer o mesmo. Mais do mesmo?
Não, porque seria a minha relação com as mesmas músicas, daí a diferença.
Mas você fez muito bem, que deu até inveja, por isso não farei.
Inveja saudável: puxa, que texto bom!
Não lembro de tudo que comentei das outras vezes, espero que dessa vez salve o comentário.
Beijos
Ah, salvou!
hell-oh entrei pelo google e resolvi abrir a boca (nada q preste costuma vir depois disso).
sou fã de legião desde uns 10 anos e to arrecém entrendo nA Tempestade e porra, é lindo, é meu favorito agora. ah e esse texto do post tem wikipedia em portugues, foi tu q botou ou te roubaram? tá no link de um dos albuns.
ps: bota pra tocar em ordem: nirvana- in utero, joy division – closer, e a tempestade, e tipo tu sai rastejando do quarto e acaba morrendo.
Olha só! Alguém que talvez goste o mesmo tanto de Legião quanto Eu!
Trilha sonora da minha vida também, é o que sempre digo. Acontece algo surreal quando ouço, transcendo… É uma leitura da minha própria alma feita por alguém que não conheci…
Obrigada pelo privilégio de ler um post como esse!
Bjão!
Olha, nãosaeri die qual discodo Legiãoais gosto… é difiilimo… a Tempestade é muito forte, uma paulada atrás da outra, mas algumas letras me tocam fundo demais (quem nunca se senti em mil pedaços?) Adorei seu texto, vou acompanhar sempre, abraços!