McDonalds, Bolívia e o isso tem a ver com a gente.

Em dezembro passado, uma das notícias mais comentadas na minha timeline do twitter foi o fechamento do McDonald’s na Bolívia. Pra início de conversa, dois esclarecimentos:

  • O McDonald’s não fechou no fim de 2011. Na verdade, foi em 2002. Acontece que foi lançando em dezembro passado um documentário analisando o fechamento (falo dele logo mais) e os desavisados acharam que tudo era absoluta novidade. Pesquisa, oi?
  • Os comunistas de plantão (eles ainda existem, por incrença que parível) apressaram-se a dizer que isso era uma vitória em cima do capitalismo feio-bobo-e-chato blá blá blá. Parece que não acompanham a História. Regimes políticos são incapazes de modificar gostos, hábitos ou padrões culturais. Conseguem, no máximo, sufocá-los, reprimi-los. Um dia a barragem racha, como aconteceu, na ex-União Soviética e em toda a cortina de ferro.

O que aconteceu na Bolívia não foi uma questão política, mas predominantemente cultural, e ligeiramente econômica.

Ligeiramente econômica porque uma refeição na franquia custava o triplo de um almoço tipicamente boliviano, segundo o documentário. Baita diferença, não? Só que aqui no Brasil o McDonald’s também é bastante caro, e as lojas só se multiplicam. Você pode argumentar que as classes média e alta bolivianas são menores que as nossas, mas a rede de lanchonetes lá era bem pequena: oito lojas espalhadas pelas três maiores cidades do país. Não acredito, portanto, que a insuficiência de público devia-se ao preço.

Cheddar McMelt
Uma das minhas refeições nada saudáveis.

E não era mesmo essa a razão. A explicação para, em cinco anos (de 1997 a 2002), o McDonald’s não ter decolado na Bolívia é que o povo boliviano é profundamente ligado à sua culinária local. Valoriza-a, preserva-a, tem orgulho dos seus pratos. Fast food não é pra eles: por lá, comer é um ato demorado, que se inicia pelo preparo lento da comida.

É isso o que explica o documentário Por que quebro McDonald’s?. Como esclarece o cineasta Fernando Martínez, o filme é principalmente sobre a cozinha boliviana, e a cozinha boliviana está profundamente arraigada à cultura do país. Segundo ele, “o documentário é um pretexto para falar da cultura boliviana”.

Isso lembra o movimento slow food, iniciado na Itália em 1986 para defender uma maior qualidade na escolha e preparo dos alimentos, desde o uso de produtos regionais até a volta aos hábitos alimentares pré-fast-food. Lembra também a Carta de São Paulo, movimento iniciado por chefs que buscam a valorização dos produtores locais e o respeito na elaboração da comida e no ato de comer.

Só que na Bolívia não foi preciso a criação de um movimento para revalorizar a cozinha local, simplesmente porque ela nunca foi depreciada.

A antiga dieta do brasileiro, baseada em salada, arroz, feijão e bife, é saudável e equilibrada. Acontece que cada vez mais nos rendemos às comidas congeladas, aos pacotes de supermercado e, claro, ao fast food, tudo em nome da praticidade. Não é à toa que os índices de obesidade têm crescido, especialmente entre crianças (que, claro, aprendem a comer errado com os pais). Ah, mas a gente não pode desacelerar, não pode parar pra comer melhor, não dá, não há tempo, vamos nos atrasar… Se continuarmos com essa síndrome de coelho da Alice, logo mais teremos de diminuir o ritmo não por opção, mas por inúmero problemas de saúde causados por maus hábitos alimentares.

Não é melhor tirar um tempinho a cada dia para comer decentemente?

Em tempo: este texto não é uma campanha anti-McDonald’s. Adoro Cheddar McMelt e saí de Super Size Me morrendo de vontade de comer fast food. Só que não faço disso um hábito – uma vez por mês já é demais.

Referências

3 comentários on “McDonalds, Bolívia e o isso tem a ver com a gente.

  1. Lu, o que você escreveu é de fato a realidade. Minha irmã mora na Bolívia. Ela mora em Cochabamba, quando fui lá a primeira vez (em 98)nem tinha Mc Donalds, comida brasileira é fácil, pq ha muitos brasileiros lá!
    Não lembro exatamente quando abriu, mas sei que durou bem pouco, assim como a rede Giraffas! Entre fast food e a comida tipica deles há um abismo, a diferença é muito grande. E diferente daqui os mercados lá não têm essa variedade toda,comida congelada quase nada, carne é super dificil. Minha irmã já se acostumou, tudo é bem diferente… o arroz leva quase uma hora cozinhando!
    Mas acho que é bacana e saudavel que eles consigam manter seus habitos alimentares!

  2. Interessante seu post, como sempre.Manter culturas é difícil, depende de inúmeros fatores, superficial a análise míope da esquerda.Seria interessante uma pesquisa sobre o nº de bolivianas que trabalham fora e também sobre o custo da mão de obra local para serviços domésticos. Desconheço cultura mais antiga e arraigada que a chinesa, no entanto, o Mac tem, no país, mais de mil lojas. Claro, valorizam os produtos locais e respeitam, até por leis, a cultura local.A China tem um ritmo frenético de atividades industriais e comerciais e a mulher participa disso, tornando mais difícil que ela prepare, nos grandes centros urbanos, refeições muito elaboradas.Se a Bolívia, fosse minimamente industrializada a rejeição seria a mesma? Não sou fã de Mac Donald’s, o comentário é só uma tentativa de análise que, com certeza, os dirigentes da Empresa já terão elaborado.

  3. @Lu, que bacana ler o comentário de quem está mais familiarizada com a realidade boliviana! Obrigada! Também acho superbacana que eles mantenham seus hábitos. 🙂

    @Roan, por coincidência, quando estava pesquisando, encontrei uma notícia sobre o aumento da obesidade na China, talvez pela vontade de ocidentalizarem, depois de longos anos de isolamento seguido por repressão. Mas você levantou uma questão interessante e que provavelmente não foi abordada no documentário. Obrigada. 🙂

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