Essa foi a pergunta de Carlos Alberto Sardenberg, âncora da CBN, ao fim de uma matéria que parece saída do Mundo Bizarro: o Ministério da Educação (veja bem!) distribuiu para mais de 4.000 escolas um livro didático para alfabetização que legitima erros crassos de gramática, como “Nós pega o peixe”, “Os livro estão emprestado” e outras barbaridades do gênero. Aparentemente, os autores e o MEC entendem tais erros como meras diferenças regionais.
O capítulo que comete esses assassinatos linguísticos chama-se “Falar é diferente de escrever”. Sim, é. Todos sabemos. A língua falada permite pequenos deslizes e coloquialismos. Daí a incluir-se num livro didático uma das piores barbáries contra o idioma, dando a entender que é coisa normal, que não existe erro em dizer “nós gosta de bolo” vai uma distância enorme. Ou será que “vão” uma distância enorme?
O Estado brasileiro sempre foi paternalista – nos últimos anos, tem sido cada vez mais. Agora, passa a ser condescendente com erros de português que, antes de pertencerem a determinado grupo, indicam baixa escolaridade e parco domínio da língua. São erros, caramba. Não é como chamar canjica de munguzá, ou mandioca de macaxeira. A regra é clara, Arnaldo. Tem que fazer usar os tempos verbais corretamente. Eles existem pra isso.
Só que agora é preconceito ensinar o português correto, né? É preconceito afirmar que dizer “nós pode”, “nós vai” e “nós fez” é errado, né?
Preconceito é aquela opinião formada sem conhecimento, sem exame crítico e sem fundamentos. Supor que uma pessoa que fala “nós pegou o ônibus” tem baixo conhecimento do próprio idioma não é preconceito; é conceito, mesmo.
Quem está sendo alfabetizado tem de aprender o correto. É obrigação da escola ensinar a forma regularmente aceita, a dita “norma culta”, não legitimar o que se ouve por aí. Depois de aprender o que é certo, você pode até escolher falar errado. Pode ler as historinhas do Chico Bento reconhecendo os erros e divertindo-se com eles. Pode falar “me vê dois pastel e um chops” pra tirar onda. Depois de aprender o que é certo.
Daqui a alguns anos, quero ver o MEC explicar aos adolescentes que serão reprovados no vestibular que eles “não vai” poder fazer a faculdade que desejam. Ou então consolar os candidatos barrados em entrevistas de emprego que lamentam tristemente: “Sabe como é, nóis batalhou muito pra chegar até aqui e nóis não sabe porque num conseguimu.”
Para ouvir a matéria: Livro adotado pelo MEC gera polêmica ao não conjugar verbos.
Imagem: Fastfood, royalty free.
Ler este texto me fez lembrar de um acontecimento recente: uma prima minha, motivada com os blogs que mantenho, decidiu virar “blogueira”. Ótimo, apoiei a ideia! Quando ela publicou o primeiro post, pediu uma avaliação minha. A primeira coisa que fiz foi ressaltar a evidente falta de preocupação com as normas de escrita. Foi quando ela perguntou: “para que escrever certo se todo mundo entende de qualquer jeito?”.
É claro que eu expliquei a importância da escrita correta, mas ela não me pareceu convencida. E pelo o que eu vejo por aí, há muitos estudantes que pensam da mesma forma.
Texto excelente e comentário muito bom do Emerson.
Por vezes sou chato. Não, ninguém me aponta esse “defeito”, também não saio por aí corrigindo os outros, sou chato para mim mesmo.
Errar é normal, principalmente quando encaramos como erro, não como tanto faz, mas aberrações que cada dia mais estão se proliferando, agora com apoio do governo, vão matar nossa língua e consequentemente nossa cultura.
Gostei das opiniões de nossos amigos e concordo, pois quando lemos alguns chamados “textos” por aí afora,as vezes fica até impossível de entender o que a pessoa está querendo expressar. Acho estranho isso, pois quando escrevíamos algum texto ou redação na escola,os professores diziam para lermos o texto que havíamos acabado de escrever para saber se havia algum erro, e se daquela forma outra pessoa entenderia.Porque outra pessoa irá ler aquilo tudo. É fácil fazer isso. Agora será que essas pessoas não lêem o que escrevem? Se lêem, será que entendem não acham que ficou faltando alguma coisa?
Essas são perguntas que eu mesma não sei responder.
É triste saber que o Brasil além de ser visto lá fora como um país pobre em cultura, para acabar de AFUNDAR,ainda temos um Governo que apóia isso, ao invéz de melhorar.
Sobre esse caso, acho que vale a pena também dar uma olhada no outro lado. Essa é uma nota da Ação Educativa, entidade que produziu o material: http://migre.me/4Cdor Achei também o capítulo do livro em questão: http://migre.me/4Cdp9
Dá pra ver que o livro não simplesmente incita os alunos a falar ou escrever “nóis pega”. Lá diz exatamente: “Nos dois exemplos, apesar de o verbo estar no singular, quem ouve a frase sabe que há mais de uma pessoa envolvida na ação de pegar o peixe. Mais uma vez, é importante que o falante de português domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala.”
No capítulo diz também: “Como a linguagem possibilita acesso a muitas
situações sociais, a escola deve se preocupar em apresentar a norma culta aos estudantes, para que eles tenham mais uma variedade à sua disposição, a fim de empregá-la quando for necessário.”
O livro mostra as duas variantes da língua como elas são: duas variantes da língua. Se formos pensar em “certo” e “errado”, o que dizer do português e outras línguas que derivaram de uma forma “errada” do latim?
Por isso acho mais acertado pensar em “variante popular” e “variante culta” do português. É claro que na maioria dos textos escritos é imperativo que se use a norma culta. Mas não vejo porque um livro de português para educação de ADULTOS (o que não foi dito em nenhum momento, diga-se de passagem) não possa mostrar que existe uma liguagem popular e mostrar como ela se estrutura.
Acho que vale a pena refletir também sobre outro ponto que o livro aborda: será que essa aversão à variante popular (inclusive da minha parte) não tem um fundo de preconceito social?
Lá vai mais uma informação interessante que eu achei sobre o caso. O MEC descarta o jeito “certo” de falar desde 1997, ou seja: passou pelos governos FHC, Lula e Dilma. http://www1.folha.uol.com.br/saber/917311-mec-descarta-regra-do-jeito-certo-de-falar-desde-1997.shtml
@Larissa, li trechos do livro após escrever o texto. Inclusive, li um trecho que afirma “é claro que você pode falar ‘os livro’, mas cuidado que poderá ser vítima de preconceito linguístico”.
Antigamente, existia “certo” e “errado” em casa e na escola. Agora, existe uma sociedade permissiva incapaz de impor limites em qualquer seara, e o governo colabora. Falar “nós pega” não é “adequado” em circunstância alguma.
O Brasil tem índices educacionais vergonhosos e agora ainda se diz que quem quer ensinar o correto é “preconceituoso”. Daqui a pouco, quem jogar lixo na rua também estará certo (ou “adequado”, como queira) e eu, que não jogo, serei “preconceituosa”.
A quem interessa essa inversão de valores? A quem interessa manter o povo na ignorância?
Concordo que muito da linguagem popular de hoje é sim falta de informação, e não fruto de uma escolha pessoal.
Mas não posso deixar de discordar de algumas comparações. Quando uma pessoa joga lixo na rua, ela está prejudicando toda a sociedade, uma vez que o lixo pode atrair animais, causar enchentes, etc.
Mas quando uma pessoa fala “nóis vai”, tendo consciência de sua escolha e estando em um ambiente adequado, a quem ela está prejudicando? Não vejo como isso gere mal a alguém.
E quando um livro de ensino de gramática para educação de adultos (que têm toda uma outra bagagem cultural, diferente dos adolescenetes e crianças) destaca que, além da norma culta, também existe a variação popular da língua que se estrutura desta e desta forma, frisando que é importante conhecer todas as variáveis e adequar sua fala ao ambiente no qual você se situa, como isso prejudica alguém? É esse o meu parâmetro hoje para definir se algo deve ou não ser feito. Isso prejudica a alguém? Não? Então tudo bem.
Sobre a questão do “certo” e “errado” que existia antigamente e que está se perdendo numa sociedade permissiva, eu pessoalmente também vejo essa questão com ressalvas. Sim, as coisas que eram “erradas” ontem podem não ser mais tão “erradas” assim. Basta lembrar que, antigamente, era errado se divorciar, ser mulher e trabalhar, desejar constituir família com alguém do mesmo sexo, ou mesmo não querer se casar antes dos 30. Esse é que é o meu problema com o “certo” e o “errado”. Não posso colocar essa etiqueta num comportamento, numa atitude ou sequer num modo de falar.
Ps: mas confesso que fiquei morrendo de medo de cometer um erro de português nesse comentário… rs