Quando vi Eu sou a Lenda no cinema, adorei. Achei o filme bem feito, impactante, assustador e tal e coisa. Lembro que ele recebeu várias críticas por ter se afastado demais do romance de Richard Matheson, mas quem se importa? Eu não, certamente. Acredito que um filme baseado em livro deve adaptar a história à linguagem do cinema, e isso exige sacrifícios.
Bem, hoje entendo melhor as críticas. Mal dá pra dizer que o filme Eu Sou a Lenda seja baseado no livro Eu Sou a Lenda. Está mais para uma ligeira inspiração, seguida de adaptação livre. A família de Neville, o cachorro, as pesquisas, a própria origem de toda a catástrofe (no filme, um vírus; no livro, uma bactéria) e, especialmente, o desfecho vistos na tela são completamente diferentes do que Richard Matheson criou. Posto isso, devo dizer que, embora entenda os críticos, continuo adorando o filme, e também amei o livro.
Robert Neville (que, no livro, é branco, alto e loiro) está sozinho no mundo após uma peste que dizimou a maioria da população e transformou os sobreviventes no que se poderia chamar de vampiros. Nos primeiros meses, seus dias se reduzem à luta pela sobrevivência. Com o passar do tempo, sem ter qualquer formação científica, resolve investigar o que teria causado a mutação e buscar, quem sabe, um antídoto. A partir desse momento, a história – que está mais para o gênero do terror – ganha contornos de ficção científica, enquanto Neville estuda a bactéria responsável pela tragédia.
Eu Sou a Lenda é um livro curto (162 páginas) e acaba abruptamente. Fiquei com cara de “mas já?!” quando cheguei à última linha. A história fisga, você vira uma página atrás da outra, envolve-se com os dramas do solitário Neville e mal pode acreditar no final que Matheson reservou para ele. Quem gosta de vampiros tem uma razão extra para ler a história, que captura o mito e lhe dá ares científicos.
Minha edição traz, além do romance-título, dez contos do mesmo autor, quase todos com uma forte pegada de terror sobrenatural, lembrando-me H. P. Lovecraft. O último, De Pessoa Para Pessoa, quase pode ser considerado ficção científica.
Matheson teve outras histórias adaptadas para o cinema (como Em algum lugar do passado e Amor Além da Vida) e escreveu vários roteiros para a televisão. Contribuiu com 16 episódios para o excelente seriado Além da Imaginação (Twilight Zone). Para os trekkers, uma pérola: ele foi o roteirista do ótimo O Inimigo Interior, quinto episódio da primeira temporada de Jornada nas Estrelas (a série clássica).
Trechos
O vampiro pode causar taquicardia e fazer arrepiar cabelos. Mas será pior que o pai que dá à sociedade o filho neurótico que se torna um político? Será pior que o industrial que estabelece fundações tardias com o dinheiro que ganhou entregando bombas e armas para nacionalistas suicidas? Será pior do que o destilador que fornece suco de cereal fermentado para estupidificar ainda mais os cérebros daqueles que, sóbrios, são incapazes de um pensamento progressista? (Não, peço desculpas por esta calúnia; eu doso a bebida que me alimenta.) Seria ele pior, então, que o editor que enche estantes em toda parte com desejos de luxúria e morte? Realmente, agora, busque em sua alma, amorzinho? Será o vampiro tão mau?
[…]
Robert Neville grunhiu um rangido áspero. Verdade, é verdade, pensou, mas você deixaria sua irmã se casar com um? (p. 30)
Ele sorriu e sentiu por dentro uma satisfação silenciosa, bem modulada. Havia ainda muito que aprender, mas não tanto quanto antes. Estranhamente, a vida estava se tornando quase tolerável. Visto o manto do eremita sem uma lágrima, ele pensou. (p. 110)
Ficha
- Título original: I Am Legend
- Autor: Richard Matheson
- Editora: Novo Século
- Páginas: 295 (incluindo os contos)
- Cotação:
- Encontre Eu Sou a Lenda.