Livro: Eu Sou A Lenda

Livro da vez: Eu sou a lenda, de Richard Matheson, leitura de setembro do #lendoscifi. O grupo já está no quarto ano e você pode saber mais com a @soterradaporlivros. Pra mim, foi releitura, e não sei não se não foi treleitura.

Conheci primeiro a adaptação do Will Smith e adorei (mas os sustos que tomei, pelamor, e tomei os mesmos sustos revendo esta semana). Aí, fui ler o livro e fiquei “ué?”. A história original é bem diferente da versão de Hollywood (existem dois outros filmes, que aparentemente também não são muito fiéis).

No livro, Neville é um trabalhador de classe média suburbano que de repente se vê o último sobrevivente da rua, da cidade, talvez do país e do mundo. Uma doença misteriosa transformou a humanidade em vampiros. Depois de ver a esposa e a filha morrerem, Neville alterna entre beber até cair e transformar a casa em uma fortaleza. Nas horas vagas, meio por tédio, meio por obsessão, estuda e experimenta hipóteses com os vampiros de que consegue se aproximar.

Essa parte científica é minha favorita. Tenho a impressão de que há uns erros na ciência do Matheson, mas ainda assim me fascina a busca por reduzir todos os mitos relacionados aos vampiros a explicações perfeitamente razoáveis e científicas. Por outro lado, o Neville do livro não tinha nenhuma formação em ciência, e nem tinha tanto tempo livre para estudar, o que torna essa parte pouco verossímil. O filme do Smith é bem melhor nesse ponto, ao dar um background científico para o protagonista.

A minha grande crítica à história é: qual a motivação do Neville para continuar vivo? Ok, se ele não fosse tão insistente em sobreviver, não haveria história. Mas acho que falta uma motivação interna, uma razão para continuar vivo. O filme é um pouco melhor nesse ponto.

A justificativa para o título está no final, que é bem diferente no entre o filme e o livro.

O filme sucumbe a clichês hollywoodianos. O livro, por outro lado, tem cacoetes machistas (justificáveis para um texto escrito nos anos 50).

Indico para quem curte histórias de vampiros e quer ler uma versão contemporânea longe da pegada Crepúsculo.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

PS.: antes de postar, descobri que já fiz uma resenha sobre o filme (em 2008) e uma sobre o livro (em 2011). Direto do túnel do tempo…

Livro: Noite do Oráculo

Livro da vez: Noite do Oráculo, de Paul Auster.

Uma história com uma história dentro com outra história dentro. Um escritor em recuperação após quase ter morrido encontra um caderno diferente em uma papelaria e volta a escrever, contando a história de um editor que recebe uma história pra ler… as tramas se misturam, mas não chegam a confundir o leitor.

Esse mesmo escritor está tentando colocar a vida em ordem com a esposa, reorganizar as finanças, retomar atividades e amizades depois de meses hospitalizado. Tudo isso adiciona camadas extras de drama a um livro que, embora curto, é bastante denso, guarda algumas reviravoltas e deixa perguntas no ar.

A escrita é interessante e absorvente. Noite do Oráculo se passa em Nova Iorque e a cidade é tema recorrente na obra de Auster.

Foi meu primeiro do Paul Auster, escritor que há tempos queria explorar, certamente não será o último.

Indico para quem curte tramas reflexivas e que incorporam hábitos e geografias locais na narrativa.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

Livro: Órbita de Inverno

Livro da vez: Órbita de Inverno, de Everina Maxwell.

Kiem, um dos vários príncipes da família real de Iskat, é obrigado a se casar com Jainan, um diplomata de Thea, após a morte de Taam, primeiro marido de Jainan. O arranjo é fundamental para a manutenção do tratado entre os dois planetas e para a estabilidade de várias outras alianças planetárias. Contudo, mesmo após a união a paz e a segurança desse sistema é posta em risco.

Quase abandonei o livro nos primeiros 20%. A ambientação é fraca, bem fraca. A ficção científica é mero pano de fundo, um pano tão fino que é praticamente uma gaze e seria melhor nem existir. Além disso, a tradução me incomodou muito (coisa rara, não costumo me irritar com traduções). Então, segui os conselhos da @soterradaporlivros: peguei o texto original e passei a ler sem levar a história a sério. Aí a coisa funcionou.

Órbita de Inverno é um romance, no fim das contas, no sentido estrito. Ficção científica passou longe. A construção do universo ficcional é pobre. O que importa mesmo é o relacionamento entre Kiem e Jainan e os benefícios que esse casamento forçado pode trazer não só para o sistema planetário, mas principalmente para os dois, amadurecendo-os e ajudando-os a superar traumas. De quebra, temos Bel, assistente de Kiem e a melhor personagem do livro (além de funcionar como alívio cômico).

A trama tem o ritmo e o descompromisso de uma fanfic. Aliás, lendo os agradecimentos finais a gente descobre que o livro nasceu no AO3, maior/melhor reduto de fanfics das interwebs. Se for lida com essa leveza, a história compensa e coloca um sorriso na cara do leitor em vários momentos (e é bem mais divertido que Justiça Ancilar, livro pretensioso com que Órbita de Inverno volta e meia é comparado).

Indico para quem procura uma leitura ligeira, de férias/praia.

Estrelinhas no caderno: 3 estrelas

Livro: Movimento 78

Livro da vez: Movimento 78, de Flávio Izhaki.

No fim do século XXI, há dois candidatos à presidência do mundo: uma inteligência artificial chamada Beethoven e o humano Kubo. As pesquisas apontam que a IA é franca favorita. No último debate antes das eleições, Kubo tenta convencer a audiência de que é melhor ser governado por humanos imperfeitos do que por máquinas frias.

Como em Bolo Preto, que resenhei outro dia, a narrativa é fragmentada, mas aqui funciona porque há um fio condutor claro, um propósito. Entre uma pergunta e outra do debate eleitoral, o livro apresenta o passado de Kubo, suas heranças familiares e flashes de como a humanidade chegou ao ponto de cogitar entregar seu futuro a robôs (claramente O Exterminador do Futuro não existe na realidade desse livro).

Movimento 78 é a melhor ficção científica nacional que já li. A escrita é cuidadosa, a língua portuguesa é respeitada (coisa rara em autores contemporâneos nacionais), os personagens são bem construídos e eu me vi interessada não só no destino político da Terra, mas nas histórias pessoais. Boa ficção científica é isso: foco nos personagens e nas suas motivações, não bordões engraçadinhos ou descrições mirabolantes.

Minha única queixa é o pequeno número de páginas. Eu gostaria de mais tempo na companhia de Kubo e sua família.

Indico para quem está à procura de boa literatura nacional contemporânea, gostando ou não de ficção científica.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas