Cacau não aguentou.

Devo ter errado na contabilidade. No último 2 de setembro, Cacau morreu.

Saí às 12h30, depois de dar todos os remédios e alimentá-la com A/D na seringa. Voltei às 19 horas, e ela estava morta. Morreu sozinha, e nunca vou me perdoar por isso.

Essa gatinha foi adotada pra ser “a gata da Mel”, minha branquela hiperativa que precisava de uma companhia felina. Foi escolhida a dedo, em meio a tantos e tantos gatos que aguardavam adoção. Ela reunia tudo que eu sonhava: era adulta, fêmea, laranja (ou quase), calma e muito, muito carinhosa. Grudenta, companheira de todos os minutos. Eu sempre disse que era a minha “gata dos sonhos”.

Cacau levou um pedaço enorme do meu coração. A partezinha que sobrou dói tanto, tanto… eu nem poderia começar a explicar o que estou sentindo.

Fica bem, gatinha. Vai brincar com a Mel, vai caçar os ratinhos brancos que você tanto ama, vai amassar pão em cobertores e pijamas de moletom com aquela carinha de êxtase que só você sabe fazer.

Mamãe te ama demais.

A última foto, tirada na manhã de 27 de agosto de 2012.
A última foto, tirada na manhã de 27 de agosto de 2012. Gatinha, currum, bebê, pamonha, panqueca, lôra. Minha gata dos sonhos.
Hein? Eu só quero relaxar...
O terceiro dia da Cacau em casa, em 23 de fevereiro de 2009.

Contabilidade.

Dizem que gatos têm sete vidas. Vejamos, então, como anda o estoque da Cacau.

Aninhada no meu colo.
Aninhada no meu colo.

1. Muito antes de eu conhecê-la, quando ainda era um bebê, Cacau quase morreu. Foi castrada por um porco carniceiro, teve infecção generalizada e ficou quase um mês internada de barriga aberta. Incrível que tenha sobrevivido.

2. Cacau foi adotada por uma senhora que achou por bem devolvê-la depois de quase um ano. A desnaturada partiu o coração do próprio filho, e partiu o coração da Cacau, que passou três dias sem comer, sem usar a caixa de areia, sem nada. Não bastasse o fato de que poderia ter morrido de tristeza (sim, isso acontece), ainda podia ter sido abandonada na rua por essa desalmada – já pensou? Sorte que foi devolvida para a protetora, que cuidou muito bem dela.

3. Em julho de 2010, minha loira de repente começou a mancar um bocado e a choramingar quando andava. Levei à veterinária no dia seguinte (porque é claro que os sintomas começaram num domingo, é sempre no fim-de-semana que as grandes merdas acontecem), que suspeitou de artrite causada por FeLV. Teste feito, confirmou-se a FeLV e comecei ali a medicação, que é diária e para o resto da vida. Se ela estivesse na rua, não teria sobrevivido.

Tentando pegar um gato pelo rabo...
Tentando pegar um gato pelo rabo…

4. Em junho desse ano, a Cacau começou a ficar amuada, isolada, parou de comer… linfoma, outra consequência da FeLV. Deu muito trabalho (pra mim, pra veterinária, pra Cacau) reverter o quadro, que foi complicado por uma anemia profunda. Foram duas semanas em que não se sabia se ela iria se recuperar. Depois de duas transfusões de sangue, uma dose de quimioterapia injetável, muito soro, alimentação forçada e medicamentos, ela voltou a ser uma gatinha feliz.

5. Domingo passado, novamente minha gata começou a ficar estranha. Menos grudenta e com dificuldade visível para subir até em móveis baixos. Exames feitos, o diagnóstico: o linfoma voltou com tudo, apesar de ela tomar quimioterapia a cada quatro dias há dois meses. Ontem, ela recebeu uma dose pesada de quimio injetável e agora estou aqui, torcendo para que tenhamos mais um tempo juntas. Dessa vez, pelo menos, não há anemia para agravar o que já é grave.

Então, é isso. Cacau tem só mais duas vidas pra queimar. E ainda nem chegou aos cinco anos de idade.

Sete vidas é pouco, viu?

11.11.11

Aninhada na hora de dormir.
Aninhada na hora de dormir, depois de amassar bastante minha barriga.

Há quase três anos, passei por uma feirinha de adoção de gatos. Antes que percebesse, tinha uma gatinha magricela agarrada ao meu ombro, praticamente um papagaio de pirata. Chamei-a primeiro de Lilith, mas logo ela virou Mel, pra ver se o nome adoçava seu comportamento peralta.

É incrível o tanto que um bichinho pode ensinar. Travessa, hiperativa e com um defeito de fábrica que a impedia de entender pra que servia a caixa de areia nos primeiros meses, Mel revolucionou a minha vida.  Deixei de limpar a casa metodicamente, porque um gato solta pelos e você tem de se acostumar com isso, ou vai passar todas as horas da sua vida limpando. Desapeguei-me de muita coisa – a começar pela minha cama box, sonho de consumo por anos e que foi destruída em questão de meses. Jogos de cama bonitos? Até podia ter, mas sem neuroses, porque a Mel adorava roer um edredom, uma almofada, uma fronha. Era como se dissesse “ei, mãe, você já tem a coisa mais linda do mundo bem na sua frente, porque fica se preocupando com esses pedaços de pano”?

Aprendi a deixar de lado minhas horas de sono, minha rotina, algumas das minhas viagens, certos gastos. Afinal, passara a ter um serzinho que dependia integralmente de mim.

As marcas dos dentinhos nos mais recentes brinquedos favoritos.
As marcas dos dentinhos nos últimos brinquedos favoritos.

Em troca, a branquela me deu amor incondicional. Quando não a compreendi nos primeiros meses, ela ficou quietinha num canto até a raiva passar – a minha, não a dela. Quando voltava pra casa, era recebida por ela na porta. À noite, ela subia na minha barriga, amassava pão até cansar e se aninhava para um cochilo. Seu olhar terno era um presente.

Mel me deu, também, outro presente: a Cacau, minha loira, uma fofura de gato com cara de bicho de pelúcia. Se a Mel era minha gata, a Cacau era a gata da Mel. Vê-las brincando juntas e dormindo grudadas (geralmente com a Cacau fazendo a Mel de travesseiro) sempre me encheu de felicidade.

No último 11 de novembro, a branquela decidiu que já tinha me dado tudo o que eu precisava e partiu. Se ela me perguntasse, eu discordaria. Eu tinha tanto ainda a aprender! Tanto a melhorar! Tanto a entender!

A Mel foi embora tão cedo…

A casa, agora, parece enorme. Ela preenchia todos os espaços. Continua preenchendo meu coração. Tenho certeza de que também preenche o da Cacau.

Branquela, magrela, Omo Progress, branquinha, diabo-da-tasmânia em forma de gato, Melzinha, minha mistura de pipoca com carrapato… Espero que você esteja rodeada de bolinhas no Céu dos Gatinhos, Mel. Tomara que você esteja se divertindo muito e que haja muitas almofadas e travesseiros macios e gostosos. Ah, e caixas, muitas caixas para brincar de esconder e destruir.

Obrigada por tudo que você fez por mim. Eu amo você.

A vez da Mel

Lembra que, quando falei pela primeira vez da FeLV, disse que a Mel era assintomática. Pois bem: não é mais.

No fim de março, viajei por quatro dias. Mel e Cacau estavam felizes e arteiras como sempre. Quando voltei, achei a Mel um pouco quieta, mas dentro do esperado – ela normalmente fica menos ativa e mais grudenta logo que volto de viagem, por causa da saudade.

Na manhã seguinte, ela vomitou. Um vômito incomum, sem ração (sinal que não comia há muitas horas) e amarelo (o que me remeteu à bile). Quando voltei do trabalho, achei outro vômito, e ainda a vi vomitar mais uma vez – e parecia que ela sentia dor ao vomitar. A branquela hiperativa estava abatida, isolada, amuada dentro de uma caixinha de transporte. Não queria saber de comer.

Levei-a à veterinária imaginando algum problema estomacal ou sei-lá-o-quê. Certamente, não estava preparada para o que ouvi: linfoma intestinal. O diagnóstico feito a partir do exame clínico foi confirmado horas depois por uma ultrassonografia. Linfonodos do intestino, mesentério, estômago e aorta estavam aumentados (alguns muito aumentados).

Não lembro muita coisa do que ouvi nessa consulta, tanto que a veterinária teve de repetir algumas orientações mais tarde, por email. Eu perguntava e perguntava, tentando entender. Sangue foi colhido e o hemograma veio quase normal, com poucas alterações nos glóbulos brancos, o que autorizava a quimioterapia, que foi marcada para a segunda-feira seguinte (o diagnóstico veio na sexta, dia primeiro de abril – e bem que eu queria que fosse mesmo mentira). O tumor não é operável, pela extensão. O único tratamento é quimioterápico.

Enquanto isso, passei a dar um antivomitivo a cada 12 horas. E a alimentação? Mel não queria saber de comer nada, mas precisava. Já tinha perdido cerca de 10% do seu peso. O jeito era forçar. Além do risco de desnutrição, gatos não podem ficar mais de um ou dois dias sem comer, ou correm o risco de desenvolver lipidose hepática, um distúrbio fatal. Comprei A/D (uma pasta altamente palatável, nutritiva e hipercalórica), enchia uma seringa de 10 ml. e empurrava goela abaixo da Mel.

Eram de 5 a 7 seringas por dia. Menos que isso, seria insuficiente; mais que isso era inviável, porque eu não podia simplesmente dar uma seringa atrás da outra: se eu não esperasse pelo menos uma hora e meia entre cada “refeição”, Mel vomitava (apesar do antivomitivo). O jeito era fugir durante o expediente, dormir de madrugada e acordar cedo para alimentá-la o máximo possível. Você pode imaginar que, embora o A/D seja gostoso, o processo é estressante. Quem é que gosta de ser forçado a comer? Mel arranhava, lutava, fugia.

Com a introdução da quimioterapia, um novo remédio foi adicionado à lista diária: 3 ml. de corticóide, uma vez ao dia.

Lá pelo quarto dia de A/D, veio a diarréia. Não dava tempo nem de pensar em chegar à caixa de areia. Esse é um efeito colateral comum da pasta, por ser muito gordurosa, mas eu não podia retirá-la porque a Mel ainda não comia sozinha. Inclua aí na lista um remédio a cada 12 horas para cortar a diarréia. E quem disse que cortou? Diminuiu, quase sempre dava pra chegar à caixa de areia, mas o ânus da Mel estava, como se diz por aí, “em carne viva”. Dava pra ver que sangrava, doía, fazendo-a andar de pernas abertas. Além disso, ela estava suja e já nem tentava se limpar. E eu tinha que continuar dando o A/D…

Saco de Gatos
26 dias após o diagnóstico: mais magrela que o normal, mas brincalhona.

As coisas começaram a melhorar 8 dias depois do diagnóstico. Mel parecia interessada na ração seca, cheirava um pouquinho… mas não comia. Por outro lado, via-se que estava mais alerta (o que implicava uma luta ainda maior para que comesse o A/D na seringa e tomasse a batelada de remédios – 5 por dia). Suspendi o A/D e torci para que ela comesse a ração seca… doze horas depois, Mel começou a comer sozinha. Ufa, ufa, ufa! Após mais de uma semana de angústia, finalmente eu conseguia ter esperanças.

Depois disso, a branquela ainda perdeu peso – chegou a 3.480 gramas, uma perda de 18% em relação ao seu peso normal. Veio a anemia. Mesmo assim, ela estava melhor: comia, interagia, voltou a brincar, a amassar pão na minha barriga, a lamber a irmã… A diarréia sumiu e um banho resolveu a sujeira, fazendo-a voltar a limpar-se normalmente.

Para contornar a anemia, passei a dar ração de filhotes (por ser mais substanciosa e, teoricamente, mais palatável – mas a Mel e a Cacau discordam) misturada à ração habitual e (mais) um comprimido, um suplemento vitamínico que, além de nutrir, abre o apetite. O hemograma feito depois de 15 dias revelou que o tratamento está funcionando: a anemia diminuiu e, ótima notícia, ela recuperou 200 gramas! Parece pouco, mas o mais importante é que reverteu-se a perda de peso que já tinha roubado 770 gramas da magrela.

Lambidinhas de amor.
É o amor...

Na próxima segunda-feira (30 de maio), Mel receberá a terceira dose de quimioterapia, de um total de seis, uma por mês. É apenas uma pílula e, até agora, não houve nenhum efeito colateral (provavelmente, ela ainda perderá os bigodes e as sobrancelhas). O prognóstico é bom: ela tem 70% de chances de ficar livre do linfoma. Provavelmente, no entanto, precisará da quimioterapia pelo resto da vida (a intervalos mais espaçados), porque uma das características da FeLV é justamente provocar esse tipo de linfoma (e outros dois: toráxico e medular). Um segundo tumor seria muito mais severo, então o protocolo mais recente recomenda quimioterapia preventiva.

Aprendi a dar comprimidos (ela ainda toma antivomitivo e suplemento vitamínico uma vez por dia, além do corticóide líquido – em remédios líquidos eu sou PhD há anos), a preparar uma seringa de A/D e dá-la inteirinha, a ter paciência com a diarréia (e a usar um protetor de colchão impermeável), a desenvolver técnicas de pegar um gato de surpresa para medicar. Ainda estou aprendendo a não ficar tão ansiosa. Tive algumas semanas de cão, e a Mel também, mas o pior já passou. Hoje, ela nem sabe que está doente, e você também não saberia se a visse. É o melhor que posso desejar: que minhas gatas vivam felizes, mesmo que não sejam saudáveis.