Você financia o trabalho escravo?

Claro que a sua resposta será não – ao menos, assim espero. Mas… tem certeza?

Semana passada, o Profissão Repórter (você pode assistir ao programa no site) mostrou como são fabricadas as calças jeans vendidas por 20 reais no Brás (SP). As peças são fabricadas por bolivianos que vieram para o Brasil em busca de emprego e trabalham por até 15 horas por dia em condições análogas à escravidão, inclusive morando amontoados na mesma casa em que trabalham, sem terem uma cama decente ou sequer uma cozinha digna. Para você comprar a calça de 20 reais, a pessoa que a costurou ganhou apenas R$3,50.

O Profissão Repórter também mostrou as condições de trabalho de quem costura para a Sulanca, famosa feira de roupas de Caruaru. Lá, as condições de trabalho não são tão ruins. As familias trabalham juntas, ganham uma ninharia, crianças também ajudam e o trabalho se estende por horas e horas, mas existe algum cuidado, não há um “capataz” em cima e elas têm alguma esperança de melhorar de vida.

Então, quem compra roupa barata colabora com o trabalho escravo, certo? Não necessariamente.

Lojas de fast fashion como a Marisa, a Riachuelo e a Collins já foram denunciadas por usarem trabalho escravo. A Zara, que no Brasil é muito mais cara do que vale, também já entrou no bonde. A Gregory e a Brooksfield, que ninguém vai dizer que são baratinhas, também foram denunciadas.

Ou seja: não temos pra onde correr. Afinal de contas, precisamos vestir alguma coisa.

Então, #comofas?

Como podemos ter certeza de que a roupa que usamos não foi feita por pessoas em condições de escravidão? Se pagar caro não é garantia de uma roupa produzida em condições minimamente humanas; e se pagar barato também não indica, necessariamente, o uso de trabalho escravo (vide Sulanca), o que podemos fazer?

Quando eu voltar a comprar roupas (ainda estou no Ano Sem Comprar), não passarei nem na porta das lojas denunciadas que, ainda por cima, recusam-se a assinar Termos de Ajustamento de Conduta (a Gregory, por exemplo, recusou-se; já a Marisa se comprometeu a eliminar o trabalho escravo em sua linha de produção).

Mas a medida mais importante é adotar o consumo racional. Comprar o que realmente precisamos, o que nos favorece e podemos pagar. Além de fazer bem para o nosso guarda-roupas, nossa conta bancária e nossa autoestima (afinal, é preferível ter uma peça escolhida a dedo, bem cortada e que caia perfeitamente a ter quatro ou cinco ruinzinhas), abandonar as compras excessivas, por impulso ou por modismo é uma forma indireta de não colaborar com uma cadeia de produção indigna.

Se não podemos resolver a situação, podemos ao menos fazer nossa parte para não incentivá-la.

Referência

Atenção: o texto acima ampara-se no direito fundamental à manifestação do pensamento, previsto nos arts. 5º, IV e 220 da Constituição Federal de 1988. Vale-se do “animus narrandi”, protegido pela lei e pela jurisprudência (conferir AI nº 505.595, STF).

Um Ano Sem Comprar – Junho

Ufa! Depois de toda a gastança de maio (e dos meses anteriores), a reforma finalmente chegou ao fim! Em junho, os únicos gastos foram com:

  • mão-de-obra
  • ralos (sim, a casa tinha ralos, mas gosto dos que permitem o fechamento, eliminando a subida de mau cheiro e de insetos)
  • assentos de vasos sanitários (não, a casa não tinha)
  • três futons pequenos (para os três pufes-baús)
  • material de limpeza
  • faxinas (pagas pelo Sr. Monte)
  • chaveiro
  • a mudança propriamente dita (também presente do Sr. Monte)

No dia 22 de junho, finalmente mudei-me para a casa nova, apesar das várias pendências (algumas perduram até hoje).

Em junho, como em maio, também não houve nenhum gasto com itens pessoais.

Agora, só falta pagar a conta da reforma até o fim do ano. 😛

Leia os outros relatos mensais no fim do texto de abertura deste projeto: Um Ano Sem Comprar – Um Ano Sabático.

Minimalismo versus Felicidade

Dia desses, a Sra. Monte sugeriu: “por que você não transforma o quarto de hóspedes num quarto de vestir, com armários pra suas roupas e tal?”. Minha resposta foi automática: “por que eu não preciso”.

O quarto de hóspedes ainda não está mobiliado. Ele receberá um armário, um dia, mas será mesmo apenas para os hóspedes. Tudo que tenho cabe no armário do meu quarto (que tem três portas e 2,30m. de comprimento). Inclusive as roupas de cama e banho estão lá, e ainda tenho três prateleiras grandes vazias dentro dele.

Eu realmente não preciso de mais roupas. Quase 200 peças é mais que suficiente pra mim (e não é para qualquer um?), como tenho comprovado desde 2010. Mas mesmo assim…

Parte da minha antiga coleção de cds. A felicidade não estava aqui.
Parte da minha antiga coleção de 400 cds (hoje, são menos de 100). A felicidade não estava aqui.

Sabe, essa coisa de minimalismo não é fácil. Não acordei um dia e falei “olha que legal, vou ser minimalista!”. Até hoje, aliás, não me fiz claramente essa afirmação, embora cada vez mais a minha visão e o meu comportamento me guiem nessa direção.

Mas não é fácil. Toda semana (às vezes, mais de uma vez por semana) eu me pego pensando “preciso comprar tal coisa” ou “bem que eu poderia trocar isso”. Na maioria das vezes, afasto rapidamente o pensamento, porque né, “ano sem compras” e tal. Quando a ideia volta, anoto numa lista de coisas a comprar a partir de 2013 (como comentei no texto de fevereiro sobre o Ano Sem Comprar). Alguns itens são realmente necessários, como uma sapatilha preta nova; outros são supérfluos mas me alegrariam muito, como um novo jogo de jantar.

Essa semana, peguei-me em outra linha de pensamento. E se eu fizesse o tal quarto de vestir? E se eu colocasse três paredes de armários e tivesse espaço para centenas de novas roupas? E se?

E se eu desistisse dessa coisa de reduzir, de consumir racionalmente, e se eu voltasse a comprar como fazia em 2008, 2009? E se?

Sei exatamente o que provocou esses pensamentos: uma reportagem antiga sobre o closet da Stacy London (a apresentadora do Esquadrão da Moda) em que ela mostra os 300 pares de sapatos, as duas araras de calças jeans etc. etc. etc. Aí, lembrei-me dos guarda-roupas enormes que a Revista TPM mostrou. E começou esse monte de “e se” na minha cabeça.

“E se” o quê, cara pálida? Se eu tivesse trocentas e sessenta peças de roupa, o que aconteceria? Talvez:

…eu fosse mais antenada.

…eu fosse mais fashion.

…eu fosse mais admirada.

Talvez. Mas… eu seria mais feliz?

Seria?

Passei um tempo tentando responder essa pergunta – a única, na verdade, que importa.

Ter um baita closet recheado de roupas lindas me faria mais feliz?

A mídia, a indústria da moda, as lojas de varejo, as revistas fazem acreditar que sim, roupas trazem felicidade. Você não vê nenhuma moça carrancuda ao exibir suas centenas de pares de sapatos. Ninguém sai triste de uma loja após comprar um vestido novo. Os shoppings são ambientes de música animada, cores brilhantes, luzes e felicidade.

São mesmo?

Quanto tempo essa felicidade dura?

Eu seria mais feliz com um guarda-roupas lotado?

Finalmente respondi:

Não, não seria mais feliz.

Teria alguns picos de felicidade, certamente, mas não seria mais feliz.

Para chegar a essa conclusão, olhei para as minhas próprias experiências.

Não fui mais feliz quanto tive um IMC indicativo de subnutrição do que sou hoje, com um IMC dito saudável.

Não sou mais feliz por ter 66 livros não lidos do que era quando tinha apenas dois ou três me aguardando (se algo, sou mais ansiosa).

Não sou mais feliz com meus 30 casacos/blazers/o-diabo do que era quando tinha a metade disso.

Não sou mais feliz com minha coleção de maquiagem que demorará uma vida para terminar do que era quando tinha a metade disso.

A maquiagem, aliás, é um bom exemplo.

Maquiagem arrumada na penteadeira nova
As gavetas de maquiagem. A felicidade também não está aqui.

Quando eu não conseguia fazer as maquiagens que queria porque não tinha os pincéis apropriados, ou os produtos necessários… não é que eu fosse infeliz, mas eu realmente queria aquelas coisas. Quando percebi que tinha o necessário pra fazer maquiagens bacanas e diversificadas, fiquei muito contente. Mas aí é que está: bastou-me uma certa quantidade para passar do desejo ao contentamento. O resto é supérfluo, dispensável. O segundo iluminador, o segundo e o terceiro primer, as várias paletas de sombras não aumentaram a minha felicidade no quesito “maquiagem”.

Então, posso dizer com um bom grau de certeza que eu não seria mais feliz tendo mais roupas do que tenho.

Tenho tudo o que preciso, tenho mais do que preciso. Eu seria infeliz se tivesse apenas duas ou três mudas de roupa, sem dúvida. Ou cinco, ou até dez. Mas tenho várias, tenho mais que o suficiente. Sou feliz com o que tenho. Acrescentar novos itens não aumentará minha felicidade do quesito “roupas”.

Não que as pessoas que têm 600, 800 ou 1.000 roupas sejam infelizes. Não é isso o que estou dizendo.

Talvez elas sejam felicíssimas, talvez não. Talvez elas fossem felizes com uma fração do que têm, talvez não. Talvez elas comprem para preencher um vazio, talvez comprem porque têm uma profissão que exija um comprometimento grande com a moda, talvez comprem só por prazer. Talvez estejam endividadas e deixem de fazer outras coisas que lhes dariam mais felicidade que as roupas. Talvez não.

O que as outras pessoas pensam ou sentem (sobre elas ou sobre o meu armário) não é importante para determinar o meu grau de felicidade com minhas roupas. O que a mídia, as revistas e as lojas vendem não importa. É isso que é tão difícil entender, e seguir. O sentimento de contentamento, de satisfação, de felicidade é algo interno, profundamente subjetivo. Independe do que os outros pensem, digam ou vendam.

Esse olhar para dentro quando tudo me chama a olhar para fora, para as cores, os brilhos e as novidades, esse movimento reflexivo não é fácil, não vem espontaneamente, não acontece num estalo. Por outro lado, pode desaparecer num passe de mágica, naquele segundo em que começo a acreditar que aumentar as minhas coisas necessariamente aumentará a minha felicidade. É dessa crença que o consumismo se alimenta. É essa crença que a publicidade prega. É essa crença que leva muita gente a pensar que a roupa comprada há duas estações já não presta porque está “datada”.

O “pulo do gato” do minimalismo está em deixar de olhar para o exterior; voltar os olhos para dentro; e perguntar, como naquela propaganda: o que faz você feliz?

O que faz você feliz?
O que faz você feliz?

Um Ano Sem Comprar – Maio

Maio foi o período mais complicado em termos de gastos. Não comprei nenhum item pessoal (nenhum mesmo, nenhuma exceção às regras estabelecidas para o ano sabático), mas foi um mês repleto de aquisições para a casa nova (boa parte em pagamentos parcelados):

  • material de pintura para as paredes
  • cortinas
  • boxes e espelhos
  • fogão de 5 bocas
  • lava-e-Seca
  • colchão
  • mesa
  • poltrona
  • varal
  • ventilador
  • barra para acessórios de cozinha
  • além da mão-de-obra da reforma.

Eu poderia ter ficado com meu fogão de 4 bocas. Apesar dos 10 anos de uso, ele estava em ótimo estado. Só que há anos queria um fogão com forno maior e aproveitei a redução do IPI para a linha branca.

Meu colchão também tinha 10 anos, o que é considerado um bom período de uso e a troca era aconselhada. Além disso, mudou o tamanho da cama (de casal para queen) e ficaria muito esquisito manter um colchão menor. Não tive que me preocupar com a roupa de cama: o Sr. e a Sra. Monte me presentearam com um enxoval novinho.

Uma lavadora de roupas é item de primeira necessidade. Como não tinha nenhuma (morava em um prédio com lavanderia coletiva), aproveitei para comprar uma lava-e-seca que quebrará um galhão quando chegarem as chuvas, especialmente levando-se em conta que o varal do apartamento é bem pequeno.

A mesa foi trocada por uma maior (de seis lugares) e mais de acordo com meu gosto (a anterior tinha sido escolhida com um ex). As quatro cadeiras foram mantidas por tempo indeterminado.

Outra compra também adiada: o depurador de ar que ficaria sobre o fogão. Aliás, acho que essa compra foi cancelada para todo o sempre. Vivi muito bem até hoje sem um treco desses e a nova cozinha tem uma ventilação bem decente. Não faço frituras, o que me faz pensar que o depurador é realmente dispensável.

Montar casa dá trabalho (foram dias e dias batendo perna e pesquisando preços de cada um desses itens) e despesas. E muito stress com fornecedores que não cumprem prazos, lojas que atrasam a entrega, serviços que não são executados a contento. A coisa ainda pioraria em junho – não quanto aos gastos, mas quanto ao nível de stress. Felizmente, junho também traria o fim dessa loucurada toda.

Imagino como estariam minhas finanças se eu não tivesse parado de comprar roupas, maquiagem etc. no começo do ano…

Leia os outros relatos mensais no fim do texto de abertura deste projeto: Um Ano Sem Comprar – Um Ano Sabático.