Livro: “Histórias de morte matada contadas feito morte morrida”

Livro da vez: Histórias de morte matada contadas feito morte morrida: a narrativa de feminicídios na imprensa brasileira, de Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues.

Como a imprensa relata o feminicídio? Essa foi a pergunta das autoras, e a resposta é aquela que já percebemos no dia-a-dia: a mídia expõe e julga a mulher vítima de feminicídio, ao tempo em que protege e perdoa seu assassino. O livro condensa, sistematiza e analisa diversas notícias nos últimos quarenta anos, demonstrando essa tendência que é ainda mais forte quando a mulher é pobre, indígena ou negra.

A sistematização feita pelas autoras evidencia a conivência dos veículos de comunicação, em maior ou menor grau, com crimes bárbaros. Essa conivência, ouso acrescentar, nasce da aceitação da sociedade de situações de violência doméstica, sintetizada no velho ditado “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.

Alguns casos impressionam pela quase cumplicidade dos veículos de comunicação, como o de Eloá Cristina, uma sucessão de erros da polícia e da imprensa, e o de Sandra Gomide, jornalista assassinada por um figurão da mídia.

Um tema que me chamou a atenção foram os órfãos do feminicídio, faceta ainda mais desalentadora desses crimes bárbaros.

Há poucas e honrosas exceções à em geral péssima cobertura da mídia, casos em que a imprensa abordou o feminicídio com assertividade, e o livro as exalta, além de destacar os avanços legislativos. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer nas redações e na sociedade de modo geral.

Leitura dolorosa, mas imprescindível para profissionais da imprensa e necessária para todos. 4 estrelas

Filmes favoritos em junho de 2023

Recentes

Lunana (2019): um professor recém-formado é enviado para os confins do Butão. Filme fofo com crianças mais fofas ainda. 4 estrelas

Contra o Tempo (2011): um militar em uma missão inusitada tem oito minutos para evitar um ato terrorista. Ficção científica nada pretensiosa, bem conduzida e com um casal carismático. 5 estrelas

Adeus, Lênin! (2003): uma cidadã da Alemanha Oriental entra em coma logo antes da queda do Muro de Berlim e, quando acorda, seu filho resolve mantê-la na ignorância sobre os recentes acontecimentos, o que gera situações surreais e engraçadas. 5 estrelas

Direto do Túnel do Tempo

A Outra História Americana (1998): as cenas de neonazismo, racismo e outras formas de violência incomodam pelo realismo e entristecem pela atualidade. 4 estrelas

Mulherzinhas (1994): a versão de 1994 optou por uma edição linear e o resultado é melhor que o da versão de 2019. As atuações são excelentes e eu ate leria o livro – se já não tivesse lido e não soubesse que o filme é melhor. 5 estrelas

Instinto Selvagem (1992): nunca tinha visto inteiro e, apesar de conhecer o desfecho, o filme me manteve sob tensão até o final. Clássico do suspense. 5 estrelas

Bonnie e Clyde (1967): os bandidos também amam, e é impossível não torcer por eles. 4 estrelas

O Milagre de Anne Sullivan (1962): história real. Hellen Keller é uma criança surda e cega; Anne Sullivan é a última esperança da família para que Hellen saia de seu casulo e possa finalmente interagir e se comunicar. Um dos filmes mais impressionantes que já assisti. 5 estrelas

Levada da Breca (1938): instalove engraçadíssimo entre um cientista tímido e uma mulher espevitada, com direito a leopardos. 5 estrelas

A Morte Cansada (1921): um homem morre subitamente e sua amada ganha da Morte três chances de salvá-lo. Eu é que fiquei meio cansada no final, mas ainda assim esse filme de Fritz Lang é precioso pela narrativa e pelos efeitos visuais. 4 estrelas

Onde assistir: https://www.justwatch.com/

Filmes favoritos em maio de 2023

Recentes

The Quiet Girl (2022): uma menina negligenciada pela família passa o verão com parentes distantes e desabrocha. Atuações excelentes. 4 estrelas

Triângulo da Tristeza (2022): filme absurdo com discussões de gênero irônicas, críticas ao capitalismo e escatologia. Achei o roteiro bem original, embora resenhas na internet discordem. Tem a vibe de White Lotus, que estreou em 2021, mas acho bem improvável que tenha servido de inspiração, dado o tempo de produção de um longa. 4 estrelas

Happiest Season (2020): um casal de namoradas vai passar o natal com a família de uma delas, hiperfocada em aparências e reputação. Quase não chega a ser comédia romântica, achei a situação toda bem dramática. 4 estrelas

Retrato de uma Jovem em Chamas (2019): uma jovem pintora é contratada para retratar outra jovem prestes a se casar contra a vontade. Filme sensível, bela fotografia. 4 estrelas

Tudo É Cópia (2015): documentário sobre Nora Ephron, de quem sou fã. 5 estrelas

Oblivion (2013): os dois últimos habitantes da Terra vivem em órbita, o mundo foi devastado por uma guerra interplanetária e eles devem partir logo para uma nova colônia, mas é claro que as coisas não correm como planejado. Ótimo roteiro. 4 estrelas

Antes de Partir (2007): Um filme que tem Jack Nicholson e Morgan Freeman só pode ser bom. Os dois são pacientes terminais que resolvem aproveitar os últimos meses de vida para realizar sonhos. 4 estrelas

Direto do Túnel do Tempo

Ran (1985): meu primeiro Kurosawa. Um velho rei resolve repartir seus domínios entre os três filhos e as coisas não correm muito bem. Atuações e visual teatrais, inspirado em “Rei Lear”, interessantíssimo. 4 estrelas

Eles Não Usam Black Tie (1981): a vida dura e dramática da classe operária – o salário que não dá, as moradias precárias, o medo do futuro, a violência das instituições e das ruas. Saber que houve poucas mudanças nos últimos quarenta anos torna o filme um tanto deprimente. 5 estrelas

Bye Bye Brazil (1980): um road movie pelo sertão do Brasil, do Nordeste a Altamira. Pobreza, falta de Estado, destruição da Amazônia, exploração dos indígenas, prostituição como forma de sobrevivência – tudo isso entremeado com humor negro. O filme termina com uma nota de esperança. 4 estrelas

A Sede do Mal (1958): ótimo suspense noir de Orson Welles. “O que importa o que dizemos sobre as pessoas?”, boa frase para termos em mente em tempos de redes sociais. 4 estrelas

Para pesquisar onde assistir: https://www.justwatch.com/

Livro: The World We Make

Livro da vez: The World We Make, de N. K. Jemisin. Segundo livro da duologia The Great Cities (Grandes Cidades). O primeiro está disponível em português com o título Nós Somos a Cidade, que resenhei aqui.

No primeiro livro, somos apresentados a Neek, o avatar da cidade de Nova York, e seus parceiros (por falta de palavra melhor), que personificam os bairros da cidade, tão diferentes e complementares entre si. Também aprendemos que cidades podem nascer e ser guiadas por seus avatares, fenômeno que já dura milhares de anos mas teve sua marcha diminuída recentemente, graças a uma força sobrenatural determinada a matar as cidades ainda no nascedouro.

The World We Make conclui a saga retratando a luta dos avatares de NYC para se entenderem e trabalharem juntos e, principalmente, para convencerem as cidades mais antigas de que o Inimigo também as ameaça. Jemisin caracteriza brilhantemente as diversas pessoas/cidades que apresenta e, no caso dos bairros de NYC, dá a cada um identidades e vozes próprias e marcantes.

O livro se perde em alguns momentos em descrições que lembram videogame, mas o foco nas vidas pessoais dos avatares manteve o meu interesse. A resolução do conflito é magistral. A duologia é bem diferente de outras sagas da autora que já li (A Terra Partida e Dreamblood), já que é baixa fantasia. Jemisin brilha nas sagas de alta fantasia, mas Grandes Cidades não fica muito atrás.

Se você puder, sugiro a leitura em inglês para não perder as sutilezas de linguagem de cada um dos personagens, não tão bem incorporadas na tradução do primeiro volume.

4 estrelas